UM
DOS MOMENTOS MAIS TOCANTES DA HISTÓRIA
Neste
ano da graça do Senhor de 2014 o início da I Guerra Mundial, ou Grande
Guerra, completou 100 anos e, com isso, completam-se 100 anos também
de um dos momentos mais tocantes da História, a nosso ver. É um
evento que me toca profundamente, ao ponto das lágrimas, se me permitem um toque pessoal.
Em
Dezembro de 1914 um grande número de soldados da frente de batalha
deixou suas armas de lado, saiu das trincheiras e confraternizou com
os inimigos, trocaram presentes, cantaram juntos, assistiram missas e
jogaram futebol. Nunca, desde o início do calendário que temos
hoje, o tão falado “Espírito do Natal” foi tão real e tão
presente.
Naquele
ano, após atravessar a Bélgica, os alemães invadiram a França
chegando aos arredores de Paris, onde foram rechaçados na Primeira
Batalha do Marne, em setembro.
Com
o recuo alemão até o Vale do Aisne e o fracasso aliado em fazê-los
recuar mais, começou a construção de linhas de defesa que levou o
conflito à fase da Guerra de Trincheiras.
Com
a chegada de Dezembro, algumas iniciativas de Cessar-Fogo para o
Natal foram adotadas, mas sem sucesso, com destaque para o pedido do
Papa Bento XV, de que as armas calassem diante do canto dos anjos. Os
governantes e generais não estavam a fim de ouvir anjos cantando, a
menos que fossem os hinos de seus países.
Mas,
se os grandes esqueceram da noite estabelecida (erradamente) como a
do nascimento de Jesus, o mesmo não se pode dizer dos pequenos.
Muitos soldados ignoraram as ordens, a paz reinou, as armas se
calaram e os anjos puderam cantar em muitos pontos da frente. E como
cantaram de forma maravilhosa!
Na
noite de 24/12/1914, na região de Ypre, na Bélgica, os alemães
enfeitaram suas trincheiras com velas e árvores de Natal, iniciando
a celebração com cânticos natalinos. Do outro lado os britânicos
cantaram em resposta e não demorou muito para que estivessem
atravessando a Terra de Ninguém (espaço entre as trincheiras dos
dois lados).
Sob
o silêncio das artilharias os inimigos trocaram fumo, bebida, comida
e lembranças. Os mortos foram enterrados em funerais que contavam
com soldados dos dois lados.
A
Wikipedia traz o relato de um desses soldados. O britânico de nome
Bruce Bairnsfather nos conta da própria troca de souvenires com um
oficial alemão e do corte de cabelo de um alemão (que ele chama de
Boche) por um inglês:
Eu
não perderia aquele único e estranho dia de Natal por nada deste
mundo... encontrei um oficial alemão, um tenente penso eu, e sendo
um colecionador, disse a ele que havia gostado de alguns de seus
botões. Eu trouxe meu cortador de arame, retirei um par de botões e
coloquei-os no bolso. Então eu lhe dei dois dos meus em troca...
depois reparei num dos meus artilheiros, que era cabeleireiro amador
na vida civil, a cortar o cabelo bastante longo de um boche dócil,
que estava pacientemente ajoelhado no chão, enquanto a máquina de
corte deslizava em volta de seu pescoço.
A
duração da trégua variou. Em alguns lugares se encerrou depois do
Natal mas, em outros, foi até o Ano Novo. Sabe-se, porém, que um
dos alemães presentes em Ypre foi contra a confraternização.
Era
um cabo que recebera recentemente a Cruz de Ferro de segunda classe,
por bravura. Servia como um dos mensageiros da 16ª Reserva Bávara
de Infantaria. Seu nome era Adolf Hitler.
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Frelinghien - Fronteira França-Bélgica. Atrás dos galpões, a área onde ocorreu o encontro dos soldados. |
Nos
anos seguintes a quantidade de tréguas e confraternização entre
soldados inimigos diminuiu bastante, por conta da repressão dos
oficiais mas, sobretudo, porque a desumanidade dos combates foi
endurecendo os corações dos soldados.
Apesar
disso, elas ainda ocorreram. Sobre o Natal de 1915 temos o relato do
alemão Richard Schirrmann, escrevendo na região dos Vosges:
Quando
os sinos de Natal soaram nas aldeias do Vosges atrás das linhas...
aconteceu uma coisa nada militar. As tropas tropas alemãs e
francesas fizeram espontaneamente as pazes e cessaram as hostilidade;
eles se visitaram uns aos outros através de túneis de trincheira em
desuso, trocaram vinho, conhaque, cigarros, pão-preto da Vestefália,
biscoitos e presunto. Eles permaneceram bons amigos mesmo depois do
Natal.
E
sobre o Natal de 1916 temos as palavras de Ronald MacKinnon, que
estava em Vimy Ridge:
Eu
tive um bom Natal, considerando que eu estava na linha de frente. A
véspera de Natal foi muito dura, serviço de sentinela até os
quadris na lama, claro .... Tivemos uma trégua no dia de Natal e os
alemães foram bastante amigáveis. Eles vieram para nos ver e nós
trocamos corned-beef por charutos.
Há
quem diga que tais confraternizações não ocorreram na II Guerra
Mundial. Mas temos conhecimento de pelo menos um acontecimento
semelhante, ocorrido na região das Ardenas, durante a Batalha do
Bulge.
Elisabeth
Vincken, e seu filho Fritz, de 12 anos, cuja casa (Aachen –
Alemanha) fora destruída por uma bomba, refugiam-se em sua cabana de
caça, na Floresta das Ardenas.
Eles
abrigam um grupo de soldados americanos, que traziam um companheiro
ferido quando um grupo de soldados alemães chega. A hostilidade
inicial é contida por Elisabeth Vincken e todos celebram o Natal em
conjunto.
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Fritz Vincken (à direita) reencontra um dos militares americanos que cearam com ele e sua mãe em 1944. |
Fritz
Vincken disse, em entrevista, que jamais esqueceu daquela noite na
qual a força interior de sua mãe impediu um potencial
derramamento de sangue. Recordando aquele momento especial ele diz
que:
Agora
e depois, em uma clara noite de inverno tropical, eu olho para o céu,
para a brilhante Sirius, e parece que sempre nos cumprimentamos como
velhos amigos. Então, infalivelmente, lembro-me (de minha) mãe e
esses sete jovens soldados, que se reuniram como inimigos e se
separaram como amigos, bem no meio da batalha do Bulge.
Apesar
da incorreção histórica, a humanidade escolheu celebrar o
nascimento de Jesus nesta data de 24 para 25/12. Por isso o Reino de
Clio envia a todos os seus leitores uma reflexão:
A
humanidade precisa, urgentemente, reavivar o Espírito do Natal, que
foi tão presente nas trincheiras de Ypre, 100 anos atrás. Fazemos
votos que todos os nossos leitores possam, nesta noite que deve ser
de reflexão, pensar no aniversariante e no “presente” que Lhe
pode ser dado: viver de acordo com Sua mensagem: Amar ao próximo
como a si mesmo!
Feliz
Natal a todos!
Marcello
Eduardo
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Cruz marca o local, próximo a Ypres, onde ocorreu um jogo de futebol entre os soldados inimigos. |
Imagens:
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Christmas_Truce_1914_IWM_HU_35801.jpg
http://ba-ez.org/educatn/LC/OralHist/vincken.htm
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Christmas_Truce_1914.png
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Khaki-chums-xmas-truce-1914-1999.redvers.jpg
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Illustrated_London_News_-_Christmas_Truce_1914.jpg
http://www.vets-cars.com/20141209-100th-anniversary-christmas-truce/
http://chuto.pt/a-tregua-de-natal-de-1914/
https://forum.ableton.com/viewtopic.php?f=40&t=200541
http://www.mercattoursinternational.com/christmas-truce-centenary.asp