sexta-feira, 3 de julho de 2015

BASTIDORES DA II GUERRA – II

A AGONIA DE LONDRES1
É difícil, quando se vive tempos de paz, imaginar uma grande metrópole como Londres na linha de frente de combates mortais. Por mais que tenhamos fotos e filmes, elas não são capazes de transportar quem observa para dentro de todo aquele horror. Fotos e filmes não têm cheiro, o som das explosões não colocam nossas vidas em risco.
Na Londres de 1940, e até 1945, o medo e as privações (estas alongadas muito além do final da guerra), eram companheiros constantes dos londrinos, sem distinção de classe, principalmente com o advento das bombas voadoras.
Tal atmosfera sombria, porém, já se desenhava bem antes dos ataques:

Em Londres, os sinais da guerra estavam por todos os cantos. Barricadas de sacos de areia e de arame farpado protegiam o Parlamento, o nº 10 de Downing Street e outros prédios governamentais, enquanto balões de barragens, presos a cabos, flutuavam sobre a cidade. Soldados e policiais montavam guarda em pontes e túneis, atentos contra possíveis sabotadores. As vitrines das lojas eram cobertas por painéis de madeira ou tinham coladas faixas de papel marrom para evitar que estilhaçassem com as explosões das bombas. Os espalhafatosos anúncios luminosos de Picadilly Circus e as marquises iluminadas dos teatros do West End permaneciam apagados em virtude de blackout, e as águas não mais dançavam nos chafarizes de Trafalgar Square.(pg. 42)

Quando, a partir de 07/09/1940, as ordens de Hitler desviaram os aviões da Luftwaffe das bases da RAF para as cidades, tornou-se comum a audição do ronco dos motores, o avistar das imensas formações de bombardeiros e a impressionante vista da cidade mergulhar em explosões, colunas de fumaça e o céu se avermelhar com os incêndios, desmoronamentos, gritos, choro.

...Londres iria sofrer cinquenta e sete noites seguidas de incessante bombardeio. Até então, nenhuma outra cidade na história havia sido submetida a tão furioso ataque;(pg. 46)

Bombardeios da Luftwaffe
Esquadrilhas de bombardeiros cruzam o Canal da Mancha rumo a Inglaterra
Vigiando os céus de Londres.
Pilotos da RAF partem para atacar os invasores.
A artilharia anti-aérea inglesa em plena atividade noturna.
Os programas de Edward Murrow foram muito bem sucedidos na transmissão da resistência do povo londrino e na identificação dos verdadeiros heróis:

Na Batalha de Londres, as tropas da linha de frente não eram os ricos e bem-vestidos do West End, e sim os bombeiros, os guardas, os médicos, as enfermeiras, os clérigos, os reparadores de linhas telefônicas e outros trabalhadores que todas as noites arriscavam suas vidas para ajudar os feridos, coletar os mortos e fazer a cidade assediada voltar à vida.(pg. 48)

O povo comum, sem função pública diretamente relacionada aos consertos, também enfrentava bravamente as adversidades, andando vários quilômetros para chegar ao trabalho depois de noites mal dormidas nos abrigos, enfrentando desvios dos bairros atingidos.

A despeito do medo, da dor e da destruição causados pela Blitz, havia uma excitação no ar, uma aura de energia quanto a viver em Londres durante aquele período que, na opinião de muitos que lá estavam, jamais seria igualado. A ameaça da morte parecia apenas engrandecer o regozijo e a elevação da alma pela sobrevivência...(pg. 49)

Rua recém bombardeada desobstruída e pessoas transitando em Londres.
A busca de proteção nos túneis durante os ataques nazistas.
Bombeiros combatendo incêndios após bombardeio.
Noites e noites passadas nos abrigos.
A despeito da coragem resoluta, Londres emagrecia. O trabalho dos submarinos alemães no isolamento da ilha estava dando resultados crescentes em tonelagens de navios afundados. Lynne Olson informa que a Inglaterra chegou “...perto da extrema fome como jamais esteve durante toda a guerra...” e que legumes, verduras e frutas simplesmente desapareceram e o racionamento de alimentos chegou ao extremo de permitir o consumo de “trinta gramas de queijo e a uma quantidade mínima de carne por semana, e a 250 gramas de presunto e margarina por mês...”.
Com a interminável sucessão de semanas e meses, porém, a moral do povo começou a declinar. O Embaixador Winant afirmou, segundo Lyne Olson, que:

A fadiga e a monotonia... os transportes interrompidos... a poeira... as roupas esfarrapadas e gastas... o tédio que surge com o desejo de coisas... nenhum vidro para reparar as vidraças ... tropeçar no blackout a caminho de casa... racionamento de eletricidade e combustível — tudo isso contribui para uma desanimadora imagem mesmo para os mais determinados. (pg. 74)

Quando, após o ataque japonês contra Pearl Harbour, os EUA finalmente entraram na guerra, isso não significou muito alívio ao sofrimento inglês. Em poucos meses o país recebeu a invasão de quase dois milhões de combatentes americanos que ocupavam cada metro disponível de solo.
Se, por um lado, isso trouxe uma movimentação da economia nos serviços demandados pelos exércitos, por outro a gritante diferença entre o tratamento dispensado às tropas americanas, que dispunham de tudo do bom e do melhor em artigos que não eram disponibilizados aos ingleses, gerou um sentimento de inferioridade e ressentimentos.
Com a execução da Operação Overlord, o desembarque na Normandia, e a partida da maioria dos soldados, a Luftwaffe praticamente desapareceu dos céus da Inglaterra, mas em seu lugar chegaram as bombas voadoras.
As bombas V-1, disparadas dia e noite de bases na França e na Holanda, chegavam zunindo como um motor de motocicleta e semeavam terror e destruição. Segundo Lyne Olson elas “Choveram sobre a capital e seus arrabaldes, matando e ferindo mais de 330 mil pessoas, destruindo cerca de 25 mil casas e danificando 800 mil outras.

Bomba V-1
Flagrante de bomba V-1 prestes a atingir Londres.

A singela e ineficaz tentativa de proteção.
Ninguém estava a salvo pois as bombas não possuiam alvo definido que não fosse Londres e quando uma delas se aproximava era preciso imaginar, pelo barulho, onde iria cair: “um silvo distante que ia escalando até um alto rugido, seguido de alguns momentos agonizantes de silêncio quando o motor parava e a V-1 mergulhava na direção do solo. Para muitos, o estresse de ouvir a bomba desligar e esperar pela explosão se tornou quase insuportável.” (pg. 240)

Churchill visita Manchester.

O Rei George VI e a Rainha Elisabeth.

A Princesa (e futura Rainha) Elisabeth, voluntária no serviço de ambulâncias.

Inverno gelado em uma cidade cheia de ruínas e com o carvão para aquecimento racionado.

Flagrante do momento exato de uma explosão nas docas.
Os próprios Eisenhower e George Patton estiveram com suas vidas em risco pelos ataques das V-1. As memórias de Churchill, citadas por Olson revelam o pesadelo que os londrinos viveram naqueles dias:

O homem que voltava de noite para casa nunca sabia o que encontraria; a esposa, sozinha o dia todo com os filhos, não tinha a certeza do retorno do marido em segurança. A cega natureza impessoal do míssil fazia com que a pessoa em terra se sentisse indefesa. Havia pouca coisa que se podia fazer, nenhum inimigo humano que pudesse ser abatido. (pg. 239)

Mas, quando parecia que a situação não poderia piorar, as V-1 foram substituídas pelas V-2. Elas eram maiores, carregavam mais explosivos e chegavam aos alvos em silêncio, tornando a busca de refúgio virtualmente impossível. Mais de mil dessas caíram sobre a cidade vitimando cerca de três mil pessoas e obrigaram mais de um milhão a deixar a capital. Londres ficou quase deserta.

Bomba V-2 em sua plataforma de lançamento.

V-2 iniciando da descida rumo ao alvo.
Gigantesca explosão em Londres.
Socorro aos feridos.

A destruição catastrófica.
Com a derrota e rendição da Alemanha, e o fim da guerra na Europa, a partida dos aliados que tinham seus quartéis-generais em Londres deixou a cidade ainda mais solitária. E com o agravante de que não havia mais a movimentação da economia que a presença dos estrangeiros, especialmente os americanos, proporcionava.
E se o leitor acha que o pior já passara, pode achar isso em termos militares, porque o pior em termos de privações estava apenas começando, pois logo os suprimentos do programa Lend-Lease, as exportações americanas, foram cortados:


Oito dias após a rendição do Japão, Harry Truman, sucessor de FDR, cancelou os embarques de suprimentos alimentícios do Lend-Lease para a Inglaterra, sem qualquer aviso prévio ao governo britânico. […] No outono de 1945, a oferta de alimentos para os ingleses alcançou seu menor nível em seis anos. Em vez de ser suspenso quando a guerra acabou, o racionamento de alimentos no país se tornou consideravelmente mais restritivo. A porção de bacon foi reduzida em 25 por cento apenas dias após ser declarada a vitória sobre o Japão, e as filas do pão, das batatas e de outros vegetais, muitas vezes aumentaram um quarteirão no comprimento. (Pão e batatas logo também seriam racionados.) (pg. 267)



A destruição deixada pelos ataques da Luftwaffe e das bombas voadoras deixou um saldo de 40% das casas da cidade inutilizáveis por longo tempo e a Inglaterra sofreu um processo de favelização de suas cidades, por conta dos barracos e acampamentos que proliferaram para atender aos milhões de desabrigados.
Por fim os americanos concordaram em ajudar a reconstrução da ilha por meio de empréstimo e desconto no pagamento das mercadorias do Lend-Lease. Apesar disso, as feridas inglesas permaneceram ainda por longo tempo:
...os Estados Unidos concordaram em ajudar a Inglaterra a sair de sua crise financeira com um empréstimo de 3,5 bilhões de dólares, pagáveis em cinquenta anos, e com generoso desconto no pagamento da ajuda do Lend-Lease já proporcionada. Dos 21 bilhões de dólares de débitos do programa Lend-Lease os ingleses deveriam saldar apenas 650 milhões. Mas a ajuda veio atrelada a um excessivo — e, do ponto de vista inglês, altamente injusto — preço: o endosso inglês a um plano de 1944, formatado em Bretton Woods, New Hampshire, que criava uma nova ordem econômica internacional, tornaria o dólar a moeda-referência do mundo, eliminaria o sistema de preferência imperial britânico e, de forma geral, beneficiaria substancialmente o comércio dos Estados Unidos. (pg. 269)

A última parcela do pagamento desse empréstimo foi quitada pela Inglaterra ao final de 2006.

Continua...


1Este artigo tem como fonte a obra de Lynne Olson, “Churchill e Três Americanos em Londres”, da Globo Livros (SP, 2013), Tradução de Joubert de Oliveira Brízida.

Imagens:
http://www.warhistoryonline.com/war-articles/medals-battle-britain-auctioned.html
http://www.ducksters.com/history/world_war_ii/battle_of_britain.php
http://www.yenra.com/battle-of-britain/
http://ww2history.com/blog/category/ww2-people/
http://www.theatlantic.com/infocus/2011/07/world-war-ii-the-battle-of-britain/100102/
http://www.dailymail.co.uk/news/article-1214041/The-Queen-Mother-She-loved-owls-fairies-miners-She-hated-oysters-LibDems-kissed-U-S-president-And-lived-day-last.html
http://news.bbc.co.uk/local/manchester/hi/people_and_places/history/newsid_8234000/8234329.stm
http://www.warhistoryonline.com/war-articles/world-war-iis-doodlebug-hunters-lost-story-told.html
http://ww2today.com/16-june-1944-the-v1-doodlebugs-begin-hitting-london
http://www.indianamilitary.org/FreemanAAF/WarePhotos/300%20dpi/WareAlbum-Part4.htm
http://www.warhistoryonline.com/war-articles/v2-attack-london-september-8th-1944.html
http://www.dailymail.co.uk/news/article-2211558/Hitlers-lethal-weapon-Seventy-years-deadly-V-2-rocket-launched.html
http://bombsight.org/explore/greater-london/city-of-london/

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