IMPERATRIZ LEOPOLDINA – MATRIARCA DA INDEPENDÊNCIA
DO BRASIL
Iniciamos uma nova mini-série de textos no Reino de Clio.
Desta feita prestamos homenagem a uma mulher que, sendo estrangeira, foi a
maior das brasileiras, a quem devemos nossa independência e que sofreu, sem
jamais abandonar seus deveres, injustas agruras causadas por um homem que
jamais a mereceu. Ela deu-lhe filhos sucessivos, amor e dedicação ímpares, a ele e ao país que
adotou, lutando por sua liberdade e auto-determinação.
Referimo-nos à Imperatriz Leopoldina. Este, e os textos que
se seguirão, compõe um brevíssimo resumo da obra “A biografia íntima de
Leopoldina: a imperatriz que conseguiu a independência do Brasil.” de Marsilio
Cassotti1, baseado em farta documentação, inclusive
as cartas escritas pela Imperatriz desde a mais tenra idade. Citações de outros
autores serão referenciadas no próprio texto.
Palácio de Schönbrunn, Viena - Áustria |
Caroline Josepha
Leopoldine von Habsburg-Lothringen, a nossa Imperatriz Leopoldina, nasceu em
22/01/1797 no Palácio de Schönbrunn, Viena, capital do Sacro Império
Romano-Germânico, filha de Maria Teresa de Bourbon, segunda esposa do Imperador
Francisco II.
No período a Europa
vivia a experiência da Revolução Francesa, com as casas reais e imperiais em
constante temor de que os ventos revolucionários que varreram a França, levando
o casal real Luís XVI e Maria Antonieta (austríaca) à decapitação, soprassem
para perto de seus palácios.
Imperador Francisco II e Maria Teresa de Bourbon - pais de Leopoldina |
Próximo ao momento do
nascimento de Leopoldina, as tropas do império tentavam defender a cidade de
Mântua (Itália), que estava cercada pelas tropas francesas sob comando de um
jovem general nascido na Córsega: Napoleão Bonaparte.
O sucesso avassalador
do francês levou o Imperador Austríaco a assinar um armistício em abril/1797 e
o Tratado de Paz de Campofórmio alguns meses depois, através do qual o Império
perdia importantes territórios para a República Francesa.
1Marsilio Cassotti. A
biografia íntima de Leopoldina: a imperatriz que conseguiu a independência do
Brasil. São Paulo: Planeta, 2015
Leopoldina era “...loura, de pele muito branca, e tinha os olhos azuis, de uma beleza que
jamais perderia.” (pg.19) e foi uma criança inquieta, herdeira de características conflitantes e
complementares, herdadas de seus pais.
O Imperador Francisco II tinha o distanciamento e o pragmatismo que lhe
proporcionavam tomar decisões difíceis como em um jogo de xadrez, perdendo em
um momento, para garantir o mais importante e talvez vir a ganhar depois.
A Imperatriz Maria Teresa era muito bem humorada e possessiva a ponto de
sufocar o marido com suas constantes atenções.
Desta, Leopoldina herdou a alegria, embora também fosse “...reservada e não raras vezes melancólica.”. Era brincalhona e pouco concentrada, mas também enérgica e determinada, “voluntariosa
e volúvel, [...] indolente e teimosa.” (pg. 21)
Leopoldina, segundo nos parece, demonstrou o pragmatismo herdado do pai em
muitos momentos ao deixar de lado as frustrações amorosas com o marido e
trabalhar com ele em benefício do Brasil, mas, diferente de sua mãe, falhou no
cerco ao esposo, muito menos honrado que o pai, Imperador da Áustria.
Este proporcionou às filhas uma educação que, surpreendentemente, deveria
levar em consideração o caráter e a tendência de cada uma, sem descuidar,
contudo, do princípio básico essencial, a obediência irrestrita aos pais.
Segundo Laurentino Gomes, em sua obra 18224, "Na corte de Viena, as princesas eram preparadas de forma
metódica para servir ao Estado, o que significava engravidar e parir a prole
mais numerosa e saudável possível..."
A Arquiduquesa foi
instruída a aprender as principais línguas dos povos componentes do Império, a
saber, o alemão, francês (línguas que falava muito bem mas escrevia com erros)
e o italiano. Posteriormente Leopoldina se dedicou também a aprender inglês e,
lógico, português, que viria a estudar por conta de seu casamento.
Auto coroação de Napoleão e Josefina |
Os estudos de
Leopoldina foram iniciados no ano em que Napoleão se auto coroou Imperador da França.
Com a constituição da Terceira Coalizão, que uniu os exércitos da Rússia,
Inglaterra e do Império Austríaco contra a França, nova guerra teve início e as
aulas foram interrompidas quando a família imperial foi obrigada a fugir de
Viena.
Em dezembro de 1805,
após a retumbante vitória de Napoleão na Batalha de Austerlitz, a Áustria
assinou o Tratado de Presburgo, perdendo mais territórios, desta vez para os
Estados Alemães, e sendo obrigada a pagar uma vultuosa indenização.
Napoleão em Austerlitz |
Esse ato colocou um
fim efetivo ao Sacro Império Romano-Germânico. Então o Imperador Francisco II
criou o Império da Áustria e mudou de nome para Francisco I.
Neste período, a instrução
de Leopoldina foi retomada. Também foi a época do início da ascenção do futuro
poderoso Ministro Klemens von Metternich. Nos anos seguintes ocorreu a morte da
Imperatriz, o terceiro casamento de Francisco I e a fuga da família real
portuguesa para o Brasil. Napoleão seguia em seus planos de subjugar toda
Europa.
A nova Imperatriz,
Maria Ludovica Beatrice d'Asburgo-Este, foi a pessoa que mais influenciou a
jovem Leopoldina, nas palavras da própria. Muito culta e de “caráter firme”,
a nova esposa do Imperador também introduziu mudanças no cardápio das crianças
que levariam, depois, Leopoldina a enfrentar problemas com a balança.
A despeito disso, foi
Ludovica quem parece ter freado a personalidade mais rebelde de Leopoldina,
recorrendo a severidade e medidas corretivas não especificadas na obra de
Cassotti.
Neste período a guerra
contra a França estourou novamente e a família real fugiu outra vez para a
Hungria. Derrotado mais uma vez, o imperador austríaco foi forçado a assinar o
Tratado de Schönbrunn com Napoleão.
Josefina - Napoleão - Maria Luiza |
Essa paz imposta foi
ratificada no casamento de Napoleão com Maria Luiza, irmã de Leopoldina. Tal
casamento, possível após a separação do Imperador da França de Josefina de
Beauharnais, visava evitar novas guerras entre França e Austria, além de dar a
Napoleão um herdeiro do trono, o que Josefina não pudera fazer.
Pelo lado austríaco, o
interesse era impedir uma aliança franco-russa contra si, enquanto a Áustria se
recuperava militarmente. O principal articulador austríaco do acordo, Klemens
von Metternich, foi nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros do Império da
Áustria.
O casamento da irmã de
Leopoldina com o pior inimigo da Áustria, fez com que Metternich passasse a ser
detestado no restrito círculo das Arquiduquesas, Leopoldina entre elas. Esse
malquerer durou a vida inteira da futura imperatriz do Brasil.
Klemens von Metternich |
Uma revelação de
Metternich à sua esposa mostra que a recíproca era verdadeira. Por ocasião da
espera por embarcar ao Brasil, quando Leopoldina adoeceu por algum exagero
alimentar, o poderoso ministro disse que “Minha pequena arquiduquesa, que,
cá entre nós, é uma menina, e se eu fosse o pai bateria nela...” (pg. 96).
Durante a
adolescência, Leopoldina desenvolveu grande interesse por botânica e
mineralogia, passando muito tempo a explorar os arredores da cidade e as salas
de minerais de instituições de ensino ao dispor.
Em 1812 Napoleão
invadiu a Rússia, sofrendo a derrota que abalaria os alicerces de seu Império.
No ano seguinte foi derrotado novamente pela coligação de seus inimigos.
Enquanto a Imperatriz francesa se desesperava com a perspectiva de futuro, sua
irmã Leopoldina exultava pela queda do grande inimigo da família.
Napoleão se retira de Moscou |
Em 1816 seu pai ficou
viúvo pela terceira vez. Também começaram as tratativas diplomáticas para
encontrar um marido para Leopoldina. Na primeira negociação ela fora preterida
pelo noivo em favor da irmã Clementina.
Nesta nova negociação,
porém, um dos pretendentes era o filho de D. João VI, Rei de
Portugal-Brasil-Algarves. Na verdade, D. Pedro nem sabia que estavam a negociar
seu casamento e a reputação da família do futuro noivo, em especial a futura
sogra Carlota Joaquina, não era das melhores.2
Mas, agora as
negociações matrimoniais conduzidas por Metternich eram feitas mais
astuciosamente, de modo a deixar as moças da família real acreditarem que
possuiam a palavra final na escolha dos maridos. Ele apresentava dois ou mais
nomes dentro dos interesses da Áustria e deixava as moças escolherem.
Não foi diferente com
Leopoldina. No dia do casamento de Clementina, o Imperador Francisco I
apresentou à filha suas “opções” de futuro esposo: o príncipe da Saxônia, que
geraria uma espera de dois anos e a concorrência de outras pretendentes, ou o
príncipe de Portugal-Brasil-Algarves, sem espera nem concorrência. Acreditando
que seu pai preferia o português, Leopoldina “escolheu” D. Pedro.
2Carlota Joaquina espalhara um
boato de que o marido sofria de doença mental e tentara tomar o poder com apoio
de alguns fidalgos portugueses.
Sem saber das maquinações de Carlota Joaquina, Leopoldina escreveu à irmã
Maria Luisa que “...toda a família (real portuguesa) é elogiada, dizem que é
cheia de bom senso e nobres qualidades.” (pg. 69).
Família Real de Portugal-Brasil-Algarves |
Segundo Laurentino Gomes em 1822, porém, "A corte de D. João
era conservadora, carola, lúgubre e repleta de intrigas estimuladas pelo
casamento de aparência entre o rei e a rainha."
Quando a delegação portuguesa que veio oficializar o pedido chegou,
ostentando riqueza e luxo com suas 41 carruagens de seis cavalos cada, e
oferecendo baile para 2 mil pessoas, Leopoldina criou amizade com Pedro de
Meneses Coutinho, o Marquês de Marialva.
Pedro de Meneses Coutinho, o Marquês de Marialva |
Nestes dias a Arquiduquesa também foi posta a par de suas obrigações como
esposa, que ela chamou de “...intimidades das relações conjugais do status
que em breve assumirei.”(pg. 75)
Cassotti acredita no teor sexual dessas obrigações, considerando a reação
da moça, revelada em carta à irmã: “Transpirei horrivelmente por causa
disso, mas permaneci firme e a acompanhei com prazer, porque sem alegrias e
sofrimentos não há nada nesta vida.” (pg. 75)
Do pai Leopoldina ouviu conselhos para realizar todos os desejos do
marido, aproximar-se de D. João Vi e evitar a sogra, Carlota Joaquina. Ele
estava coberto de razão...
Leopoldina acreditava que o casamento com D. Pedro I e a mudança para o
Brasil estavam nos planos da providência divina e, a esta altura, já percebera
claramente que sua participação na escolha do marido fora mínima, mas esses
detalhes parecem ter perdido importância algum tempo depois.
Em fevereiro de 1817 o Marquês de Marialva chegou a Viena para o casamento
trazendo riquíssimos presentes e, dentre eles, um retrato de D. Pedro, em forma
de medalhão. Ao recebê-lo, Leopoldina parece ter-se apaixonado, pois declarou
que “...as feições do noivo coincidiam com a ideia que ela fazia das
virtudes morais possuídas pelo augusto original delas.” (pg. 78).
Também revelou à Duquesa de Parma que achou o noivo “extraordinariamente
belo”, com “olhos magníficos e um belo nariz”, que “passava o dia
inteiro olhando seu retrato”, que ele “a enlouquecia”. (pg. 81).
Por outro lado, a noiva escreveu diretrizes para si mesma, visando a
convivência futura com o marido. Essas “normas” auto impostas permitem perceber
quais defeitos a moça acreditava ter, e queria combater:
Reprimir minha veemência, ser boa com minha criadagem com a finalidade de
me acostumar à brandura e condescendência […] Evitar todo pensamento menos
casto […] Trabalhar com zelo para meu aperfeiçoamento […] Aplicar todos os meus
esforços para dizer sempre a verdade […] Proibir-me algum prato da refeição,
manter silêncio durante algum tempo, falar nas conversas com muita prudência e
nunca demais em minha posição. (pg. 86)
Assim, foi uma Leopoldina enamorada, esperançosa e auto-controlada que
embarcou (em 15/08/1817) para enfrentar nada menos que 85 dias de viagem de
navio rumo ao Brasil após uma espera escruciante pelos navios que a
transportariam.
Depois da espera, era hora de enfrentar os dissabores da viagem que
Leopoldina registrou, como por exemplo, a tempestade que a frota atravessou: “Minha
cama subia como um balão, e para não cair eu me amarrei com uma corda, mas
mantive a coragem e o bom humor.” (pg. 102)
A chegada, porém (05/11/1817), parece ter compensado qualquer dissabor,
conforme se depreende do que a moça escreveu: “A entrada do porto não tem
comparação […] a primeira impressão que o paradisíaco Brasil dá a todo
estrangeiro é impossível de descrever com qualquer pluma ou pincel” (pg.
103)
A recepção da família real foi feita ainda antes do desembarque, quando
abordaram o navio em uma galeota. Na apresentação Leopoldina ajoelhou-se
perante o Rei D. João VI e recebeu de D. Pedro uma caixa de ouro contendo
diamantes.
O relato dá conta de certa timidez entre os noivos neste primeiro contato,
olhares furtivos de ambas as partes. Leopoldina certamente procurava no moço os
traços que vira no retrato, enquanto D. Pedro, que não consta ter visto
qualquer representação da noiva, talvez procurasse ver mais de seu rosto, por
trás do véu fino que usava.
Pedro de Meneses Coutinho, o Marquês de Marialva |
Em 06/11/1817 ocorreu o desembarque, o percurso de carruagem até a Capela
Real onde a cerimônia religiosa foi realizada. A residência do casal foi estabelecida
na Quinta da Boa Vista, mesma morada da família real.
Na noite de núpcias a cerimônia que a corte portuguesa mantinha fez com
que os pombinhos fossem conduzidos ao leito e despidos3 na presença dos familiares e cortesãos que só abandonaram o quarto quando
o casal já estava deitado na cama.
Do que veio depois, Leopoldina escreveu que D. Pedro não a “...deixou
dormir a noite toda.” e que era “...não somente belo, mas também bom e
sensato.” (pg. 109)
3À época ser despido não significava ficar completamente nu.
D. Pedro deve ter ficado de camisa e ceroulas, enquanto Leopoldina deve ter
ficado de camisolão.
A lendária infidelidade do marido
começou a operar no dia seguinte ao casamento, quando levou a esposa à casa que
abrigava seu guarda-roupa, na qual ele podia ver Noémi Thierry, filha de um
artista francês por quem estava apaixonado desde que seu casamento era
arranjado sem seu conhecimento.
Sem saber de nada disso,
Leopoldina escreveu que emocionara-se com a recepção que recebera e que, os que
a cercavam eram, todos, “...anjos de bondade, especialmente meu querido
Pedro...” (pg. 112)
Nos primeiros meses de casamento
as cartas de Leopoldina permitem imaginar que foi feliz. Escrevia sobre as
qualidades do marido, propunha-se a instruí-lo e o acompanhava sempre em
passeios.
Cartas da Imperatriz Leopoldina |
Outros relatos, porém, dão conta
de que o marido não era tão atencioso assim, que precisava ser repreendido pela
mãe para que desse mais atenção à esposa. A própria Leopoldina chegou a
escrever reclamando de dias difíceis e mau humor pois o marido “... não me
deixava dormir, até que eu lhe disse, sinceramente, que estava abatida.”
(pg.112)
Testemunhar um ataque epilético
brando de D. Pedro também abalou a princesa e a solidão da vida no Rio de
Janeiro começou a afetá-la, chegando a escrever que sentia falta de ir ao
teatro e de interagir socialmente com pessoas diferentes, faltas que ela
procurou preencher com aulas de “canto, português e latim” nas manhãs, e
passeios à tarde.
Os primeiros conflitos entre o
casal surgiram por questões financeiras. Os rendimentos da princesa acabavam
sempre indo parar nas mãos do marido, impedindo-a de cumprir compromissos
assumidos.
Outros problemas foram causados
por desentendimentos entre as servidoras austríacas da princesa e os
portugueses. A maioria delas se tornou aliada de Carlota Joaquina e acabou
substituída por criadas portuguesas.
Em 1818 as cartas de Leopoldina
começam a revelar que ela já percebia as falhas de caráter do esposo,
escrevendo que “... com toda a franqueza ele diz tudo que pensa, isso às
vezes com certa brutalidade. Acostumado a executar sempre sua vontade, todos
devem se adequar a ele. Até eu sou obrigada a aceitar algumas respostas ácidas.”
(pg. 125)
A má fama de sua sogra ela agora
podia testemunhar pessoalmente: “seu comportamento é vergonhoso, e,
infelizmente, já se vêem as tristes consequências em suas filhas menores...”
(pg. 126)
Neste época tornaram-se frequentes
os passeios de Leopoldina que buscava, no isolamento da natureza deslumbrante,
ficar afastada o quanto possível das pessoas e situações que a cercavam.
Em julho/1818 a primeira gravidez
de Leopoldina foi anunciada. Daquele momento até o fim, foram poucos os
períodos de vida em que a princesa não tenha estado grávida.
Considerando os sete filhos, terão
sido nada menos que 63 meses gestante, diante dos 101 meses de vida que teve, a
partir daquele julho/1818.
Sua escrita revela, já nesta
época, solidão, melancolia e certa resignação diante das infidelidades do
marido: “...os homens sempre serão homens, e nós, mulheres, devemos nos
distinguir pela paciência, a virtude e os conselhos serenos […] eles sempre
voltam e então nos apreciam mais.” (pg. 135)
E a Revolução no Porto, que ao
final obrigou a volta da família real para Portugal, levou a princesa a
momentos de grande desespero.
Ela temia que os eventos se
radicalizassem, temia ser separada do marido e dos filhos, temia partir, temia
ficar. Como estava grávida novamente, conseguiu convencer o esposo a atrasar a
eventual partida que, por fim, não foi necessária.
A vida como casal regente não
pareceu melhorar muito. Ambos almoçavam juntos, mas D. Pedro comia muito
rápido. As visitas aos órgãos da administração faziam Leopoldina sofrer com a
rispidez do marido, que “...era muito afeito ao uso do chicote para castigar
os que não cumpriam as tarefas como ele queria.” (pg. 161)
Quando as movimentações
separatistas começaram, a princesa escreveu ao seu pai, o Imperador da Áustria,
que no Brasil “...todos os dias há novas cenas de revolta; os verdadeiros
brasileiros são cabeças boas e tranquilas; as tropas portuguesas estão animadas
pelo pior espírito, e meu esposo […] não dá exemplo de firmeza...” (pg.
163)
Essa indecisão de D. Pedro, que
chegou a se entusiasmar com a ordem de retornar a Portugal, começou a mudar em
fins de 1821, mostrando a crescente influência dos irmãos Andrada, e resultando
no Dia do Fico (09/01/1822).
Dia do Fico |
A partir de então os
acontecimentos foram se precipitando com a ordem de retenção de todas as
determinações vindas de Portugal até a vistoria de D. Pedro (21/01/1822), a não
admissão de oficiais portugueses no beija-mão do aniversário da princesa
(22/01) e a partida do regente para o Sul em março.
Em 13/08/1822, a fim de viajar
para pacificar a província de São Paulo, D. Pedro nomeou Leopoldina presidente
dos negócios do governo. Este curto período serviu para estreitar a colaboração
da princesa com José Bonifácio de Andrada, com quem compartilhava “...ideias
monárquicas e liberalismo moderado […] ideia do Brasil relativamente
independente...” (pg. 178)
Infelizmente, 15 dias após deixar
o Rio de Janeiro, D. Pedro conheceu a mulher que destruiria seu casamento e seu
governo: Domitila de Castro.
Alheia a mais uma traição,
Leopoldina escrevia constantemente sem receber resposta do marido. Estava
preocupada, em especial com o desembarque de 600 homens chegados em embarcações
militares na Bahia.
Sob a ameaça de ataque que pairava
sobre a capital, o Conselho de Estado foi reunido em 02/09/1822 e decidiu, por
sugestão de Bonifácio e aprovação unânime de todos os membros, escrever ao
regente rogando-lhe a proclamação da independência.
Reunião do Conselho de Estado no qual a Independência de fato foi decidida |
O documento foi assinado e, junto
com ele, seguiram cartas de Leopoldina e Bonifácio. D. Pedro as recebeu por
volta das 16hs do dia 07 de setembro de 1822, às margens do Riacho Ipiranga.
Segundo Laurentino Gomes (1822),
"...do ponto de vista formal, a Independência foi feita por Leopoldina
e Bonifácio, cabendo ao príncipe apenas o papel teatral de proclamá-la na
colina do Ipiranga."
Ali o príncipe leu também uma
carta de seu pai, o Rei D. João VI, que o conclamava a obedecer às cortes de
Lisboa, e outra do Cônsul-Geral da Grã-Bretanha, informando que havia a
possibilidade de que fosse destituído em favor do irmão Miguel, “...medida
extrema que, ao que parece, contava com o aval de […] Metternich...” (pg.
182)
A carta de Leopoldina, que segundo
Cassotti, tocou profundamente o orgulho masculino do marido, terminava com uma
daquelas frases capazes de inflamar ainda hoje qualquer coração minimamente
patriota:
O Brasil será em vossas mãos um
grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com vosso apoio ou sem vosso
apoio, ele fará sua separação. O pomo está maduro, colheio-o já, senão
apodrecerá […] Já dissestes aqui o que ireis fazer em São Paulo. Fazei ,
pois. (pg. 183)
Ao vacilante Pedro só cabia um
caminho e ele, sob o peso das Irradiações da Pureza de um daqueles raros
momentos em que se percebe a roda da História girar, proclamou a nossa
Independência, cumprindo, assim, sua missão. Nascia então, por pressão da
princesa Austríaca e de vários outros, o Brasil!
Apesar de importar pouco, é sabido
que aquele momento histórico não foi como representado por Pedro Américo no
famoso quadro "O Grito do Ipiranga".
D. Pedro não montava o belo cavalo
branco, mas uma boa mula baia. A viagem, de Santos a São Paulo, resultaria em
roupas amarrotadas e sujas de lama, sem contar as constantes paradas por conta
do desarranjo intestinal do príncipe.
O testemunho presencial do Padre
Belchior, que leu as cartas para D. Pedro, conta que este tremeu de raiva,
tomou-lhe os papéis das mãos, amassou e pisou. Perguntada sua opinião, Belchior
sugeriu a proclamação da independência como único caminho.
O Padre conta que D. Pedro parou
depois, ainda desmontado no meio da estrada, e declarou, conforme descreve
Laurentino Gomes (1822):
Padre Belchior, eles o querem,
eles terão a sua conta. As cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de
rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em
diante estão quebradas as nossas relações. Nada mais quero com o governo
português e proclamo o Brasil, para sempre, separado de Portugal.
Assim, este momento Histórico da
primeira declaração do príncipe não incluiu o famoso grito “Independência ou
Morte!” e nem estavam ao redor dele os soldados.
A frase célebre só seria proferida
depois, já na presença dos Dragões da Independência quando, depois de retirar
de seu chapéu os símbolos de Portugal e atirá-los ao chão, D. Pedro gritou “E
viva o Brasil livre e independente!”, acrescentando, só então e logo após “Será
nossa divisa de ora em diante: Independência ou Morte!”
O gesto histórico da Proclamação
da Independência foi jubilosamente aclamado pelo povo, agora brasileiro, mas
foi mal visto na maioria das cortes européias, em especial na Áustria,
impressão que Leopoldina tratou logo de combater, em cartas escritas ao pai.
Quando D. Pedro foi coroado
Imperador, D. Leopoldina estava à sua frente, vestindo “...um longo manto de
cetim verde e amarelo bordado de ouro...”, ocupando um lugar de destaque
que, certamente, fizera por merecer.
Coroação de D. Pedro I - Leopoldina está no alto à esquerda |
Nos meses seguintes, ainda sem
saber da nova paixão do marido, Leopoldina seguiu ajudando a este e travando
uma batalha diplomática que visava conquistar o apoio do Império Austríaco, na
pessoa de seu pai, ao novo país, do qual era Imperatriz.
Juramento de Leopoldina à Constituição do Império |
Em uma destas cartas, na qual
argumenta com vantagens econômicas do estabelecimento de relações comerciais
entre os dois impérios, Leopoldina encerra com uma declaração maravilhosa:
Agora só me resta desejar que vós,
querido papai, assumais o papel de nosso verdadeiro amigo e aliado […] se
acontecesse o contrário, para nosso maior pesar, sempre permanecerei brasileira
de coração... (pg. 193)
Mas, se por um lado havia quem
lutasse constantemente pelo país, por outro havia aqueles que conspiravam
contra ele e estes conseguiram uma aliada poderosa na pessoa de Domitila de
Castro que, segundo José Bonifácio, recebia dinheiro dos adversários para
fomentar ataques.
Infelizmente, porém, estes foram
bem sucedidos e José Bonifácio acabou sendo demitido, depois preso e deportado.
Começava o declínio de D. Pedro I e a fase de sofrimento mais agudo de D.
Leopoldina.
Domitila de Castro separou-se do
marido e deu à luz uma filha do Imperador, fato que fez crescer o sentimento de
rejeição deste a ponto de, em 1824, tropas estarem dispostas a prendê-lo, não o
fazendo por amor à Imperatriz. Em outra ocasião, diante da oferta de aceitar a
coroa, Leopoldina a recusou, mantendo-se fiel ao esposo, politica e
emocionalmente.
A despeito desta fidelidade tão
inabalável quanto admirável, as desfeitas do esposo jamais pararam de chegar.
Aos poucos, as pessoas de confiança da Imperatriz foram sendo substituídas por
outras ligadas a Domitila de Castro.
Esta impunha sua presença até em
locais de acesso restrito, como a tribuna da capela imperial. A situação tomou
tal vulto que até mesmo membros da corte antes antipáticos à Imperatriz
começaram a mostrar revolta com a ousadia da amante do Imperador.
Este, porém, apoiava Domitila em
tudo e, suprema desfeita, nomeou-a Camareira-Mor de Leopoldina, tornando a
amante presença obrigatória em qualquer lugar ou cerimônia em que a Imperatriz
de fizesse presente. Depois vieram as nomeações de Viscondessa e Marquesa.
Segundo Laurentino Gomes (1822),
"Domitila passou a receber todas as atenções, presentes e honrarias do
imperador, enquanto Leopoldina ia sendo ofuscada e humilhada em público. Abandonada
pelo marido, recebia cada vez menos dinheiro para a casa e o sustento dos
filhos.[...] A marquesa, ao contrário, ostentava joias e presentes, traficava
influência com diplomatas e altos funcionários do governo, indicava familiares
para cargos e honrarias da corte e vivia suntuosamente."
Em 02/12/1825, porém, a Imperatriz
estava feliz, pois finalmente vinha ao mundo o herdeiro homem tão desejado para
o Império. O menino Pedro de Alcântara nasceu forte e saudável, para alegria de
seus pais e regozijo do povo.
O intervalo de alegria, porém,
durou pouco. Domitila também pariu um filho homem e este também recebeu o nome
de Pedro de Alcântara, sobrenome Brasileiro. As ofensas prosseguiam
ininterruptas.
Na viagem feita para evitar
revoltas na Bahia, D. Pedro I levou Domitila no mesmo navio que D. Leopoldina,
o que foi considerado uma ofensa por todos.
Laurentino Gomes (1822) informa
que "Na travessia entre o Rio de Janeiro e Salvador, D. Pedro costumava
passear pelo convés acompanhado de Domitila e da princesa Maria da Glória.
Também jantavam juntos, enquanto Leopoldina fazia as refeições sozinha em seus
aposentos. Na capital baiana, o imperador e a amante ficaram hospedados no
mesmo prédio. Leopoldina, em outro, vizinho ao deles..."
Quando, ainda durante a estada na
Bahia, se soube da morte do filho de Domitila, D. Pedro I ordenou um funeral
solene e derramou-se em consolar a amante, o que escandalizou ainda mais a
sociedade baiana, cuja despedida foi muito fria, quando a comitiva imperial
partiu.
Quando D. João Vi morreu, D. Pedro
I passou a se ocupar dos assuntos de Portugal, o que não foi bem visto por
muitos brasileiros. Na apresentação de Pedro de Alcântara como herdeiro do
trono, o bebê estava no colo do pai de Domitila, o que também causou
indignação.
Estátua de Leopoldina à frente da Quinta da Boa Vista |
A tudo Leopoldina suportava
mantendo a dignidade de Imperatriz que era. Mas, quando D. Pedro passou a viver
na casa de Domitila, isso representou a gota d'água para a soberana, que
escreveu-lhe solicitando que escolhesse em qual casa desejava viver ou
permitisse sua volta à Áustria. Quando D. Pedro voltou, ocorreu uma violenta
discussão.
Em 20/11/1826 a Imperatriz
recusou-se a comparecer ao beija-mão de despedida do Imperador, que estava de
partida para o Sul. Este, revoltado, teria tentado forçá-la e comparecer.
Alguns acreditam no uso da força física, mas não há registros disso. O fato é
que o estado de saúde da Imperatriz, que já era delicado, agravou-se.
Entre 01 e 02/12/1826 Leopoldina
sofreu um aborto e seu estado de saúde só decaiu. Para piorar, Domitila de
Castro, que tinha acesso ao quarto, impunha sua presença ao lado do leito onde
a Imperatriz agonizava e fez isso de tal forma que precisou ser expulsa por
amigos fiéis da soberana.
Em 11/12/1826 Leopoldina faleceu
em seu quarto, na Quinta da Boa Vista. A notícia consternou o país e abalou de
maneira irremediável o prestígio do Imperador.
Laurentino Gomes (1822) afirma que
"O povo saiu às ruas em prantos. Escravos se lamentavam aos gritos [...]
A casa da marquesa de Santos, apontada como culpada pelo sofrimento da
imperatriz, foi apedrejada."
Se me permitem um comentário
pessoal, mesmo tentando não fazer um julgamento do homem Pedro, que ademais não
nos cabe, é muito difícil fazer a leitura da obra que acabamos de resumir sem
sentir o sangue ferver por uma grande ferida em nosso senso de hombridade, de
honra, em nosso sentido cavalheiresco.
O que foi feito contra a
Imperatriz Leopoldina, por aquele que mais deveria protegê-la e respeitá-la,
não se faz com mulher nenhuma, ainda mais com uma do comportamento moral
irretocável da soberana.
A morte, apesar de tudo, veio por
fim a uma vida de sofrimentos. Seu legado, porém, permanece. À guisa de prece,
e resgatando outra soberana subestimada da História, em gratidão à Imperatriz
Leopoldina por tamanha herança e sacrifício, lembramos das Palavras de Jesus:
“A rainha do Sul se levantará
no Juízo com esta geração e a condenará, pois ela veio dos confins da terra
para conhecer os sábios ensinamentos de Salomão. E eis que aqui está quem é
maior do que Salomão.” (Mateus 12:42)
Leopoldina foi muito maior que
Pedro...
FIM
1Marsilio Cassotti. A
biografia íntima de Leopoldina: a imperatriz que conseguiu a independência do
Brasil. São Paulo: Planeta, 2015
2Carlota Joaquina espalhara um boato de que o marido sofria de doença
mental e tentara tomar o poder com apoio de alguns fidalgos portugueses.
3À época ser despido não significava ficar completamente nu. D. Pedro deve
ter ficado de camisa e ceroulas, enquanto Leopoldina deve ter ficado de
camisolão.
4GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa
triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um
país que tinha tudo para dar errado. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.