quarta-feira, 30 de setembro de 2015

LEOPOLDINA - MATRIARCA DA INDEPENDÊNCIA

IMPERATRIZ LEOPOLDINA – MATRIARCA DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
Iniciamos uma nova mini-série de textos no Reino de Clio. Desta feita prestamos homenagem a uma mulher que, sendo estrangeira, foi a maior das brasileiras, a quem devemos nossa independência e que sofreu, sem jamais abandonar seus deveres, injustas agruras causadas por um homem que jamais a mereceu. Ela deu-lhe filhos sucessivos, amor e dedicação ímpares, a ele e ao país que adotou, lutando por sua liberdade e auto-determinação.
Referimo-nos à Imperatriz Leopoldina. Este, e os textos que se seguirão, compõe um brevíssimo resumo da obra “A biografia íntima de Leopoldina: a imperatriz que conseguiu a independência do Brasil.” de Marsilio Cassotti1, baseado em farta documentação, inclusive as cartas escritas pela Imperatriz desde a mais tenra idade. Citações de outros autores serão referenciadas no próprio texto.
Palácio de Schönbrunn, Viena - Áustria
Caroline Josepha Leopoldine von Habsburg-Lothringen, a nossa Imperatriz Leopoldina, nasceu em 22/01/1797 no Palácio de Schönbrunn, Viena, capital do Sacro Império Romano-Germânico, filha de Maria Teresa de Bourbon, segunda esposa do Imperador Francisco II.

No período a Europa vivia a experiência da Revolução Francesa, com as casas reais e imperiais em constante temor de que os ventos revolucionários que varreram a França, levando o casal real Luís XVI e Maria Antonieta (austríaca) à decapitação, soprassem para perto de seus palácios.
Imperador Francisco II e Maria Teresa de Bourbon - pais de Leopoldina
Próximo ao momento do nascimento de Leopoldina, as tropas do império tentavam defender a cidade de Mântua (Itália), que estava cercada pelas tropas francesas sob comando de um jovem general nascido na Córsega: Napoleão Bonaparte. 
O sucesso avassalador do francês levou o Imperador Austríaco a assinar um armistício em abril/1797 e o Tratado de Paz de Campofórmio alguns meses depois, através do qual o Império perdia importantes territórios para a República Francesa.
1Marsilio Cassotti. A biografia íntima de Leopoldina: a imperatriz que conseguiu a independência do Brasil. São Paulo: Planeta, 2015

Leopoldina era “...loura, de pele muito branca, e tinha os olhos azuis, de uma beleza que jamais perderia.” (pg.19) e foi uma criança inquieta, herdeira de características conflitantes e complementares, herdadas de seus pais.
O Imperador Francisco II tinha o distanciamento e o pragmatismo que lhe proporcionavam tomar decisões difíceis como em um jogo de xadrez, perdendo em um momento, para garantir o mais importante e talvez vir a ganhar depois.
A Imperatriz Maria Teresa era muito bem humorada e possessiva a ponto de sufocar o marido com suas constantes atenções.
Desta, Leopoldina herdou a alegria, embora também fosse “...reservada e não raras vezes melancólica.”. Era brincalhona e pouco concentrada, mas também enérgica e determinada, “voluntariosa e volúvel, [...] indolente e teimosa.” (pg. 21)
Leopoldina, segundo nos parece, demonstrou o pragmatismo herdado do pai em muitos momentos ao deixar de lado as frustrações amorosas com o marido e trabalhar com ele em benefício do Brasil, mas, diferente de sua mãe, falhou no cerco ao esposo, muito menos honrado que o pai, Imperador da Áustria.
Este proporcionou às filhas uma educação que, surpreendentemente, deveria levar em consideração o caráter e a tendência de cada uma, sem descuidar, contudo, do princípio básico essencial, a obediência irrestrita aos pais.
Segundo Laurentino Gomes, em sua obra 18224, "Na corte de Viena, as princesas eram preparadas de forma metódica para servir ao Estado, o que significava engravidar e parir a prole mais numerosa e saudável possível..."
A Arquiduquesa foi instruída a aprender as principais línguas dos povos componentes do Império, a saber, o alemão, francês (línguas que falava muito bem mas escrevia com erros) e o italiano. Posteriormente Leopoldina se dedicou também a aprender inglês e, lógico, português, que viria a estudar por conta de seu casamento.
Auto coroação de Napoleão e Josefina
Os estudos de Leopoldina foram iniciados no ano em que Napoleão se auto coroou Imperador da França. Com a constituição da Terceira Coalizão, que uniu os exércitos da Rússia, Inglaterra e do Império Austríaco contra a França, nova guerra teve início e as aulas foram interrompidas quando a família imperial foi obrigada a fugir de Viena.
Em dezembro de 1805, após a retumbante vitória de Napoleão na Batalha de Austerlitz, a Áustria assinou o Tratado de Presburgo, perdendo mais territórios, desta vez para os Estados Alemães, e sendo obrigada a pagar uma vultuosa indenização.
Napoleão em Austerlitz
Esse ato colocou um fim efetivo ao Sacro Império Romano-Germânico. Então o Imperador Francisco II criou o Império da Áustria e mudou de nome para Francisco I.
Neste período, a instrução de Leopoldina foi retomada. Também foi a época do início da ascenção do futuro poderoso Ministro Klemens von Metternich. Nos anos seguintes ocorreu a morte da Imperatriz, o terceiro casamento de Francisco I e a fuga da família real portuguesa para o Brasil. Napoleão seguia em seus planos de subjugar toda Europa.
A nova Imperatriz, Maria Ludovica Beatrice d'Asburgo-Este, foi a pessoa que mais influenciou a jovem Leopoldina, nas palavras da própria. Muito culta e de “caráter firme”, a nova esposa do Imperador também introduziu mudanças no cardápio das crianças que levariam, depois, Leopoldina a enfrentar problemas com a balança.
Maria Ludovica Beatrice d'Asburgo-Este
A despeito disso, foi Ludovica quem parece ter freado a personalidade mais rebelde de Leopoldina, recorrendo a severidade e medidas corretivas não especificadas na obra de Cassotti.
Neste período a guerra contra a França estourou novamente e a família real fugiu outra vez para a Hungria. Derrotado mais uma vez, o imperador austríaco foi forçado a assinar o Tratado de Schönbrunn com Napoleão.

Josefina - Napoleão - Maria Luiza
Essa paz imposta foi ratificada no casamento de Napoleão com Maria Luiza, irmã de Leopoldina. Tal casamento, possível após a separação do Imperador da França de Josefina de Beauharnais, visava evitar novas guerras entre França e Austria, além de dar a Napoleão um herdeiro do trono, o que Josefina não pudera fazer.

Despedida de Maria Luiza - Leopoldina abraça a irmã
Casamento de Napoleão e Maria Luiza

Pelo lado austríaco, o interesse era impedir uma aliança franco-russa contra si, enquanto a Áustria se recuperava militarmente. O principal articulador austríaco do acordo, Klemens von Metternich, foi nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros do Império da Áustria.
O casamento da irmã de Leopoldina com o pior inimigo da Áustria, fez com que Metternich passasse a ser detestado no restrito círculo das Arquiduquesas, Leopoldina entre elas. Esse malquerer durou a vida inteira da futura imperatriz do Brasil.
Klemens von Metternich
Uma revelação de Metternich à sua esposa mostra que a recíproca era verdadeira. Por ocasião da espera por embarcar ao Brasil, quando Leopoldina adoeceu por algum exagero alimentar, o poderoso ministro disse que “Minha pequena arquiduquesa, que, cá entre nós, é uma menina, e se eu fosse o pai bateria nela...” (pg. 96).
Durante a adolescência, Leopoldina desenvolveu grande interesse por botânica e mineralogia, passando muito tempo a explorar os arredores da cidade e as salas de minerais de instituições de ensino ao dispor.
Em 1812 Napoleão invadiu a Rússia, sofrendo a derrota que abalaria os alicerces de seu Império. No ano seguinte foi derrotado novamente pela coligação de seus inimigos. Enquanto a Imperatriz francesa se desesperava com a perspectiva de futuro, sua irmã Leopoldina exultava pela queda do grande inimigo da família.
Napoleão se retira de Moscou
Em 1816 seu pai ficou viúvo pela terceira vez. Também começaram as tratativas diplomáticas para encontrar um marido para Leopoldina. Na primeira negociação ela fora preterida pelo noivo em favor da irmã Clementina.
Nesta nova negociação, porém, um dos pretendentes era o filho de D. João VI, Rei de Portugal-Brasil-Algarves. Na verdade, D. Pedro nem sabia que estavam a negociar seu casamento e a reputação da família do futuro noivo, em especial a futura sogra Carlota Joaquina, não era das melhores.2
Mas, agora as negociações matrimoniais conduzidas por Metternich eram feitas mais astuciosamente, de modo a deixar as moças da família real acreditarem que possuiam a palavra final na escolha dos maridos. Ele apresentava dois ou mais nomes dentro dos interesses da Áustria e deixava as moças escolherem.  
Não foi diferente com Leopoldina. No dia do casamento de Clementina, o Imperador Francisco I apresentou à filha suas “opções” de futuro esposo: o príncipe da Saxônia, que geraria uma espera de dois anos e a concorrência de outras pretendentes, ou o príncipe de Portugal-Brasil-Algarves, sem espera nem concorrência. Acreditando que seu pai preferia o português, Leopoldina “escolheu” D. Pedro.
2Carlota Joaquina espalhara um boato de que o marido sofria de doença mental e tentara tomar o poder com apoio de alguns fidalgos portugueses.
Sem saber das maquinações de Carlota Joaquina, Leopoldina escreveu à irmã Maria Luisa que “...toda a família (real portuguesa) é elogiada, dizem que é cheia de bom senso e nobres qualidades.” (pg. 69).
Família Real de Portugal-Brasil-Algarves
Segundo Laurentino Gomes em 1822, porém,  "A corte de D. João era conservadora, carola, lúgubre e repleta de intrigas estimuladas pelo casamento de aparência entre o rei e a rainha."
Quando a delegação portuguesa que veio oficializar o pedido chegou, ostentando riqueza e luxo com suas 41 carruagens de seis cavalos cada, e oferecendo baile para 2 mil pessoas, Leopoldina criou amizade com Pedro de Meneses Coutinho, o Marquês de Marialva.
Pedro de Meneses Coutinho, o Marquês de Marialva
Nestes dias a Arquiduquesa também foi posta a par de suas obrigações como esposa, que ela chamou de “...intimidades das relações conjugais do status que em breve assumirei.”(pg. 75)
Cassotti acredita no teor sexual dessas obrigações, considerando a reação da moça, revelada em carta à irmã: “Transpirei horrivelmente por causa disso, mas permaneci firme e a acompanhei com prazer, porque sem alegrias e sofrimentos não há nada nesta vida.” (pg. 75)
Do pai Leopoldina ouviu conselhos para realizar todos os desejos do marido, aproximar-se de D. João Vi e evitar a sogra, Carlota Joaquina. Ele estava coberto de razão...
Leopoldina acreditava que o casamento com D. Pedro I e a mudança para o Brasil estavam nos planos da providência divina e, a esta altura, já percebera claramente que sua participação na escolha do marido fora mínima, mas esses detalhes parecem ter perdido importância algum tempo depois.
Em fevereiro de 1817 o Marquês de Marialva chegou a Viena para o casamento trazendo riquíssimos presentes e, dentre eles, um retrato de D. Pedro, em forma de medalhão. Ao recebê-lo, Leopoldina parece ter-se apaixonado, pois declarou que “...as feições do noivo coincidiam com a ideia que ela fazia das virtudes morais possuídas pelo augusto original delas.” (pg. 78).
Também revelou à Duquesa de Parma que achou o noivo “extraordinariamente belo”, com “olhos magníficos e um belo nariz”, que “passava o dia inteiro olhando seu retrato”, que ele “a enlouquecia”. (pg. 81).
Por outro lado, a noiva escreveu diretrizes para si mesma, visando a convivência futura com o marido. Essas “normas” auto impostas permitem perceber quais defeitos a moça acreditava ter, e queria combater:
Reprimir minha veemência, ser boa com minha criadagem com a finalidade de me acostumar à brandura e condescendência […] Evitar todo pensamento menos casto […] Trabalhar com zelo para meu aperfeiçoamento […] Aplicar todos os meus esforços para dizer sempre a verdade […] Proibir-me algum prato da refeição, manter silêncio durante algum tempo, falar nas conversas com muita prudência e nunca demais em minha posição. (pg. 86)
Assim, foi uma Leopoldina enamorada, esperançosa e auto-controlada que embarcou (em 15/08/1817) para enfrentar nada menos que 85 dias de viagem de navio rumo ao Brasil após uma espera escruciante pelos navios que a transportariam.
Depois da espera, era hora de enfrentar os dissabores da viagem que Leopoldina registrou, como por exemplo, a tempestade que a frota atravessou: “Minha cama subia como um balão, e para não cair eu me amarrei com uma corda, mas mantive a coragem e o bom humor.” (pg. 102)
A chegada, porém (05/11/1817), parece ter compensado qualquer dissabor, conforme se depreende do que a moça escreveu: “A entrada do porto não tem comparação […] a primeira impressão que o paradisíaco Brasil dá a todo estrangeiro é impossível de descrever com qualquer pluma ou pincel” (pg. 103)
A recepção da família real foi feita ainda antes do desembarque, quando abordaram o navio em uma galeota. Na apresentação Leopoldina ajoelhou-se perante o Rei D. João VI e recebeu de D. Pedro uma caixa de ouro contendo diamantes.
O relato dá conta de certa timidez entre os noivos neste primeiro contato, olhares furtivos de ambas as partes. Leopoldina certamente procurava no moço os traços que vira no retrato, enquanto D. Pedro, que não consta ter visto qualquer representação da noiva, talvez procurasse ver mais de seu rosto, por trás do véu fino que usava.
Pedro de Meneses Coutinho, o Marquês de Marialva
Em 06/11/1817 ocorreu o desembarque, o percurso de carruagem até a Capela Real onde a cerimônia religiosa foi realizada. A residência do casal foi estabelecida na Quinta da Boa Vista, mesma morada da família real.
Na noite de núpcias a cerimônia que a corte portuguesa mantinha fez com que os pombinhos fossem conduzidos ao leito e despidos3 na presença dos familiares e cortesãos que só abandonaram o quarto quando o casal já estava deitado na cama.
Do que veio depois, Leopoldina escreveu que D. Pedro não a “...deixou dormir a noite toda.” e que era “...não somente belo, mas também bom e sensato.” (pg. 109)
3À época ser despido não significava ficar completamente nu. D. Pedro deve ter ficado de camisa e ceroulas, enquanto Leopoldina deve ter ficado de camisolão.

A lendária infidelidade do marido começou a operar no dia seguinte ao casamento, quando levou a esposa à casa que abrigava seu guarda-roupa, na qual ele podia ver Noémi Thierry, filha de um artista francês por quem estava apaixonado desde que seu casamento era arranjado sem seu conhecimento.
Sem saber de nada disso, Leopoldina escreveu que emocionara-se com a recepção que recebera e que, os que a cercavam eram, todos, “...anjos de bondade, especialmente meu querido Pedro...” (pg. 112)
Nos primeiros meses de casamento as cartas de Leopoldina permitem imaginar que foi feliz. Escrevia sobre as qualidades do marido, propunha-se a instruí-lo e o acompanhava sempre em passeios.
Cartas da Imperatriz Leopoldina
Outros relatos, porém, dão conta de que o marido não era tão atencioso assim, que precisava ser repreendido pela mãe para que desse mais atenção à esposa. A própria Leopoldina chegou a escrever reclamando de dias difíceis e mau humor pois o marido “... não me deixava dormir, até que eu lhe disse, sinceramente, que estava abatida.” (pg.112)
Testemunhar um ataque epilético brando de D. Pedro também abalou a princesa e a solidão da vida no Rio de Janeiro começou a afetá-la, chegando a escrever que sentia falta de ir ao teatro e de interagir socialmente com pessoas diferentes, faltas que ela procurou preencher com aulas de “canto, português e latim” nas manhãs, e passeios à tarde.
Os primeiros conflitos entre o casal surgiram por questões financeiras. Os rendimentos da princesa acabavam sempre indo parar nas mãos do marido, impedindo-a de cumprir compromissos assumidos.
Outros problemas foram causados por desentendimentos entre as servidoras austríacas da princesa e os portugueses. A maioria delas se tornou aliada de Carlota Joaquina e acabou substituída por criadas portuguesas.
Em 1818 as cartas de Leopoldina começam a revelar que ela já percebia as falhas de caráter do esposo, escrevendo que “... com toda a franqueza ele diz tudo que pensa, isso às vezes com certa brutalidade. Acostumado a executar sempre sua vontade, todos devem se adequar a ele. Até eu sou obrigada a aceitar algumas respostas ácidas.” (pg. 125)
A má fama de sua sogra ela agora podia testemunhar pessoalmente: “seu comportamento é vergonhoso, e, infelizmente, já se vêem as tristes consequências em suas filhas menores...” (pg. 126)
Neste época tornaram-se frequentes os passeios de Leopoldina que buscava, no isolamento da natureza deslumbrante, ficar afastada o quanto possível das pessoas e situações que a cercavam.
Em julho/1818 a primeira gravidez de Leopoldina foi anunciada. Daquele momento até o fim, foram poucos os períodos de vida em que a princesa não tenha estado grávida.
Considerando os sete filhos, terão sido nada menos que 63 meses gestante, diante dos 101 meses de vida que teve, a partir daquele julho/1818.
Sua escrita revela, já nesta época, solidão, melancolia e certa resignação diante das infidelidades do marido: “...os homens sempre serão homens, e nós, mulheres, devemos nos distinguir pela paciência, a virtude e os conselhos serenos […] eles sempre voltam e então nos apreciam mais.” (pg. 135)
E a Revolução no Porto, que ao final obrigou a volta da família real para Portugal, levou a princesa a momentos de grande desespero.
Ela temia que os eventos se radicalizassem, temia ser separada do marido e dos filhos, temia partir, temia ficar. Como estava grávida novamente, conseguiu convencer o esposo a atrasar a eventual partida que, por fim, não foi necessária.
A vida como casal regente não pareceu melhorar muito. Ambos almoçavam juntos, mas D. Pedro comia muito rápido. As visitas aos órgãos da administração faziam Leopoldina sofrer com a rispidez do marido, que “...era muito afeito ao uso do chicote para castigar os que não cumpriam as tarefas como ele queria.” (pg. 161)
Quando as movimentações separatistas começaram, a princesa escreveu ao seu pai, o Imperador da Áustria, que no Brasil “...todos os dias há novas cenas de revolta; os verdadeiros brasileiros são cabeças boas e tranquilas; as tropas portuguesas estão animadas pelo pior espírito, e meu esposo […] não dá exemplo de firmeza...” (pg. 163)
Essa indecisão de D. Pedro, que chegou a se entusiasmar com a ordem de retornar a Portugal, começou a mudar em fins de 1821, mostrando a crescente influência dos irmãos Andrada, e resultando no Dia do Fico (09/01/1822).
Dia do Fico
A partir de então os acontecimentos foram se precipitando com a ordem de retenção de todas as determinações vindas de Portugal até a vistoria de D. Pedro (21/01/1822), a não admissão de oficiais portugueses no beija-mão do aniversário da princesa (22/01) e a partida do regente para o Sul em março.
Em 13/08/1822, a fim de viajar para pacificar a província de São Paulo, D. Pedro nomeou Leopoldina presidente dos negócios do governo. Este curto período serviu para estreitar a colaboração da princesa com José Bonifácio de Andrada, com quem compartilhava “...ideias monárquicas e liberalismo moderado […] ideia do Brasil relativamente independente...” (pg. 178)
Infelizmente, 15 dias após deixar o Rio de Janeiro, D. Pedro conheceu a mulher que destruiria seu casamento e seu governo: Domitila de Castro.
Alheia a mais uma traição, Leopoldina escrevia constantemente sem receber resposta do marido. Estava preocupada, em especial com o desembarque de 600 homens chegados em embarcações militares na Bahia.
Sob a ameaça de ataque que pairava sobre a capital, o Conselho de Estado foi reunido em 02/09/1822 e decidiu, por sugestão de Bonifácio e aprovação unânime de todos os membros, escrever ao regente rogando-lhe a proclamação da independência.
Reunião do Conselho de Estado no qual a Independência de fato foi decidida
O documento foi assinado e, junto com ele, seguiram cartas de Leopoldina e Bonifácio. D. Pedro as recebeu por volta das 16hs do dia 07 de setembro de 1822, às margens do Riacho Ipiranga.
Segundo Laurentino Gomes (1822), "...do ponto de vista formal, a Independência foi feita por Leopoldina e Bonifácio, cabendo ao príncipe apenas o papel teatral de proclamá-la na colina do Ipiranga.
Ali o príncipe leu também uma carta de seu pai, o Rei D. João VI, que o conclamava a obedecer às cortes de Lisboa, e outra do Cônsul-Geral da Grã-Bretanha, informando que havia a possibilidade de que fosse destituído em favor do irmão Miguel, “...medida extrema que, ao que parece, contava com o aval de […] Metternich...” (pg. 182)
A carta de Leopoldina, que segundo Cassotti, tocou profundamente o orgulho masculino do marido, terminava com uma daquelas frases capazes de inflamar ainda hoje qualquer coração minimamente patriota:
O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com vosso apoio ou sem vosso apoio, ele fará sua separação. O pomo está maduro, colheio-o já, senão apodrecerá […] Já dissestes aqui o que ireis fazer em São Paulo. Fazei, pois. (pg. 183)
Ao vacilante Pedro só cabia um caminho e ele, sob o peso das Irradiações da Pureza de um daqueles raros momentos em que se percebe a roda da História girar, proclamou a nossa Independência, cumprindo, assim, sua missão. Nascia então, por pressão da princesa Austríaca e de vários outros, o Brasil!
Apesar de importar pouco, é sabido que aquele momento histórico não foi como representado por Pedro Américo no famoso quadro "O Grito do Ipiranga".
D. Pedro não montava o belo cavalo branco, mas uma boa mula baia. A viagem, de Santos a São Paulo, resultaria em roupas amarrotadas e sujas de lama, sem contar as constantes paradas por conta do desarranjo intestinal do príncipe.
O testemunho presencial do Padre Belchior, que leu as cartas para D. Pedro, conta que este tremeu de raiva, tomou-lhe os papéis das mãos, amassou e pisou. Perguntada sua opinião, Belchior sugeriu a proclamação da independência como único caminho.
O Padre conta que D. Pedro parou depois, ainda desmontado no meio da estrada, e declarou, conforme descreve Laurentino Gomes (1822):
Padre Belchior, eles o querem, eles terão a sua conta. As cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações. Nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil, para sempre, separado de Portugal.
Assim, este momento Histórico da primeira declaração do príncipe não incluiu o famoso grito “Independência ou Morte!” e nem estavam ao redor dele os soldados.
A frase célebre só seria proferida depois, já na presença dos Dragões da Independência quando, depois de retirar de seu chapéu os símbolos de Portugal e atirá-los ao chão, D. Pedro gritou “E viva o Brasil livre e independente!”, acrescentando, só então e logo após “Será nossa divisa de ora em diante: Independência ou Morte!
O gesto histórico da Proclamação da Independência foi jubilosamente aclamado pelo povo, agora brasileiro, mas foi mal visto na maioria das cortes européias, em especial na Áustria, impressão que Leopoldina tratou logo de combater, em cartas escritas ao pai.
Quando D. Pedro foi coroado Imperador, D. Leopoldina estava à sua frente, vestindo “...um longo manto de cetim verde e amarelo bordado de ouro...”, ocupando um lugar de destaque que, certamente, fizera por merecer.
Coroação de D. Pedro I - Leopoldina está no alto à esquerda
Nos meses seguintes, ainda sem saber da nova paixão do marido, Leopoldina seguiu ajudando a este e travando uma batalha diplomática que visava conquistar o apoio do Império Austríaco, na pessoa de seu pai, ao novo país, do qual era Imperatriz.
Juramento de Leopoldina à Constituição do Império
Em uma destas cartas, na qual argumenta com vantagens econômicas do estabelecimento de relações comerciais entre os dois impérios, Leopoldina encerra com uma declaração maravilhosa:
Agora só me resta desejar que vós, querido papai, assumais o papel de nosso verdadeiro amigo e aliado […] se acontecesse o contrário, para nosso maior pesar, sempre permanecerei brasileira de coração... (pg. 193)
Mas, se por um lado havia quem lutasse constantemente pelo país, por outro havia aqueles que conspiravam contra ele e estes conseguiram uma aliada poderosa na pessoa de Domitila de Castro que, segundo José Bonifácio, recebia dinheiro dos adversários para fomentar ataques.
Infelizmente, porém, estes foram bem sucedidos e José Bonifácio acabou sendo demitido, depois preso e deportado. Começava o declínio de D. Pedro I e a fase de sofrimento mais agudo de D. Leopoldina.
Domitila de Castro separou-se do marido e deu à luz uma filha do Imperador, fato que fez crescer o sentimento de rejeição deste a ponto de, em 1824, tropas estarem dispostas a prendê-lo, não o fazendo por amor à Imperatriz. Em outra ocasião, diante da oferta de aceitar a coroa, Leopoldina a recusou, mantendo-se fiel ao esposo, politica e emocionalmente.
A despeito desta fidelidade tão inabalável quanto admirável, as desfeitas do esposo jamais pararam de chegar. Aos poucos, as pessoas de confiança da Imperatriz foram sendo substituídas por outras ligadas a Domitila de Castro.
Esta impunha sua presença até em locais de acesso restrito, como a tribuna da capela imperial. A situação tomou tal vulto que até mesmo membros da corte antes antipáticos à Imperatriz começaram a mostrar revolta com a ousadia da amante do Imperador.
Este, porém, apoiava Domitila em tudo e, suprema desfeita, nomeou-a Camareira-Mor de Leopoldina, tornando a amante presença obrigatória em qualquer lugar ou cerimônia em que a Imperatriz de fizesse presente. Depois vieram as nomeações de Viscondessa e Marquesa.
Segundo Laurentino Gomes (1822), "Domitila passou a receber todas as atenções, presentes e honrarias do imperador, enquanto Leopoldina ia sendo ofuscada e humilhada em público. Abandonada pelo marido, recebia cada vez menos dinheiro para a casa e o sustento dos filhos.[...] A marquesa, ao contrário, ostentava joias e presentes, traficava influência com diplomatas e altos funcionários do governo, indicava familiares para cargos e honrarias da corte e vivia suntuosamente."
Em 02/12/1825, porém, a Imperatriz estava feliz, pois finalmente vinha ao mundo o herdeiro homem tão desejado para o Império. O menino Pedro de Alcântara nasceu forte e saudável, para alegria de seus pais e regozijo do povo.
O intervalo de alegria, porém, durou pouco. Domitila também pariu um filho homem e este também recebeu o nome de Pedro de Alcântara, sobrenome Brasileiro. As ofensas prosseguiam ininterruptas.
Na viagem feita para evitar revoltas na Bahia, D. Pedro I levou Domitila no mesmo navio que D. Leopoldina, o que foi considerado uma ofensa por todos.
Laurentino Gomes (1822) informa que "Na travessia entre o Rio de Janeiro e Salvador, D. Pedro costumava passear pelo convés acompanhado de Domitila e da princesa Maria da Glória. Também jantavam juntos, enquanto Leopoldina fazia as refeições sozinha em seus aposentos. Na capital baiana, o imperador e a amante ficaram hospedados no mesmo prédio. Leopoldina, em outro, vizinho ao deles..."
Quando, ainda durante a estada na Bahia, se soube da morte do filho de Domitila, D. Pedro I ordenou um funeral solene e derramou-se em consolar a amante, o que escandalizou ainda mais a sociedade baiana, cuja despedida foi muito fria, quando a comitiva imperial partiu.
Quando D. João Vi morreu, D. Pedro I passou a se ocupar dos assuntos de Portugal, o que não foi bem visto por muitos brasileiros. Na apresentação de Pedro de Alcântara como herdeiro do trono, o bebê estava no colo do pai de Domitila, o que também causou indignação.
Estátua de Leopoldina à frente da Quinta da Boa Vista
A tudo Leopoldina suportava mantendo a dignidade de Imperatriz que era. Mas, quando D. Pedro passou a viver na casa de Domitila, isso representou a gota d'água para a soberana, que escreveu-lhe solicitando que escolhesse em qual casa desejava viver ou permitisse sua volta à Áustria. Quando D. Pedro voltou, ocorreu uma violenta discussão.
Em 20/11/1826 a Imperatriz recusou-se a comparecer ao beija-mão de despedida do Imperador, que estava de partida para o Sul. Este, revoltado, teria tentado forçá-la e comparecer. Alguns acreditam no uso da força física, mas não há registros disso. O fato é que o estado de saúde da Imperatriz, que já era delicado, agravou-se.
Entre 01 e 02/12/1826 Leopoldina sofreu um aborto e seu estado de saúde só decaiu. Para piorar, Domitila de Castro, que tinha acesso ao quarto, impunha sua presença ao lado do leito onde a Imperatriz agonizava e fez isso de tal forma que precisou ser expulsa por amigos fiéis da soberana.
Em 11/12/1826 Leopoldina faleceu em seu quarto, na Quinta da Boa Vista. A notícia consternou o país e abalou de maneira irremediável o prestígio do Imperador. 
Laurentino Gomes (1822) afirma que "O povo saiu às ruas em prantos. Escravos se lamentavam aos gritos [...] A casa da marquesa de Santos, apontada como culpada pelo sofrimento da imperatriz, foi apedrejada.
Se me permitem um comentário pessoal, mesmo tentando não fazer um julgamento do homem Pedro, que ademais não nos cabe, é muito difícil fazer a leitura da obra que acabamos de resumir sem sentir o sangue ferver por uma grande ferida em nosso senso de hombridade, de honra, em nosso sentido cavalheiresco.
O que foi feito contra a Imperatriz Leopoldina, por aquele que mais deveria protegê-la e respeitá-la, não se faz com mulher nenhuma, ainda mais com uma do comportamento moral irretocável da soberana.
A morte, apesar de tudo, veio por fim a uma vida de sofrimentos. Seu legado, porém, permanece. À guisa de prece, e resgatando outra soberana subestimada da História, em gratidão à Imperatriz Leopoldina por tamanha herança e sacrifício, lembramos das Palavras de Jesus:
A rainha do Sul se levantará no Juízo com esta geração e a condenará, pois ela veio dos confins da terra para conhecer os sábios ensinamentos de Salomão. E eis que aqui está quem é maior do que Salomão.” (Mateus 12:42)
Leopoldina foi muito maior que Pedro...
FIM

1Marsilio Cassotti. A biografia íntima de Leopoldina: a imperatriz que conseguiu a independência do Brasil. São Paulo: Planeta, 2015
2Carlota Joaquina espalhara um boato de que o marido sofria de doença mental e tentara tomar o poder com apoio de alguns fidalgos portugueses.
3À época ser despido não significava ficar completamente nu. D. Pedro deve ter ficado de camisa e ceroulas, enquanto Leopoldina deve ter ficado de camisolão.
4GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país que tinha tudo para dar errado. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.

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