PRIMEIRAS PISTAS
Apesar
das modificações, a essência do personagem histórico Vlad Tepes é
mantida por Bram Stoker: alguém que persegue seu direito de governar,
sanguinário, conquistador.
Isso
demonstra, a nosso ver, que essas características eram buscadas
especificamente pelo autor. A peculiaridade excêntrica do personagem,
assim como a distância espaço temporal da realidade vitoriana também
serviriam para camuflar a natureza metafórica do vampiro.
Selecionamos alguns trechos nos quais o autor define seu personagem pela “voz” do próprio:
"Anseio por percorrer as populosas ruas de sua fabulosa metrópole (…) compartilhar sua vida, suas mudanças, também sua morte…” (pg. 28)
“Por acaso é de causar surpresa o fato de termos sido uma raça de conquistadores e sabido sempre exibir todo o nosso orgulho?” (pg. 37)
“nós,
os szekes, temos toda a razão de ser orgulhosos, pois em nossas veias
corre o sangue de muitas raças audazes, que souberam lutar com fúria de
leões na conquista da supremacia.” (L&PM. 2009. pg. 47)
“E
também porque ali dificilmente poderá haver um único metro quadrado de
terreno que não tenha sido profusamente regado com o mais heterogêneo
sangue humano” (pg. 37)
Um desses trechos contém, a nosso ver, uma tentativa de despiste sobre a verdadeira identidade do Vampiro:
“...minha terra não é a Inglaterra. Os caminhos de nossos respectivos países nunca foram sequer semelhantes.” (Nova Cultural. 2003. pg. 29)
A
presença do vampiro também insere a dicotomia Bem x Mal na obra, uma
vez que representa o mal total. Por outro lado seus adversários, cheios
de virtudes, seriam o bem.
Diversos
autores também identificam várias outras dicotomias no decorrer da obra
tais como Cristianismo x Paganismo, Anglicanismo x Catolicismo, Ciência
x Superstição, Racional x Irracional, Modernidade x Tradição,
Moralidade x Imoralidade, etc.
As duas principais personagens femininas são, a nosso ver, os pilares opostos da dicotomia Moralidade x Imoralidade.
A
noiva/esposa de Jonathan Harker, Wilhelmina Murray Harker, é
apresentada como a personificação da moral e da virtude. Professora,
trabalhadora empenhada e estudiosa, planeja ser uma esposa útil para o
marido.
João Bosco de Almeida Rezende, em seu TCC7,
também identifica as dicotomias do Nacionalismo Inglês x Nacionalismo
Irlandês no vampiro e a Emancipação Feminina x Resistência Masculina a
ela em Mina, a virtuosa e avançada.
Sua
melhor amiga, Lucy Westenra, porém, é retratada como uma rica fútil,
dedicada às diversões, namoricos e mexericos da alta sociedade.
As
demais personagens femininas de interesse são as noivas do vampiro, que
vivem em seu castelo e são descritas como fisicamente diferentes:
“Duas delas tinham a tez de um moreno dourado, narizes aquilinos (…) olhos grandes, profundos e penetrantes…” (pg. 45 – Nova Cultural 2003)
“Mas
a terceira era dotada de rara beleza (...) cabeleira de cachos dourados
e olhos magníficos, da cor e com o brilho das safiras.” (Idem. pg. 45)
Em
resumo, os personagens femininos são etnicamente variados, o que
demonstra diferentes nacionalidades, apresentam comportamentos que vão
do pudico ao devasso mas são, a despeito de tudo isso, as únicas a serem
realmente transformadas em servas do vampiro.
Essa transformação se dá pela inoculação do sangue do vampiro nas vítimas.
O CÓDIGO DRÁCULA –
VI
As dicotomias são
presentes em toda obra, como vimos anteriormente. Esses limites ficam
tênues, porém, na figura do Dr. Van Helsing, um cientista
apresentado por Stoker como “...um
dos mais destacados cientistas da atualidade.”
que pesquisa o ocultismo e acredita no poder dos símbolos religiosos
católicos, como a cruz, a hóstia, e no poder do alho, o que não deixaria
de ser um conflito do próprio autor e isso não é novidade, já foi
aventado por muitos autores, Rezende entre eles.
Também temos o exemplo
bem explorado por Rezende, do anglicano Harker, que inicialmente não sabe o que fazer com o
crucifixo que lhe foi presenteado para, algum tempo depois, encontrar
nele o conforto de um católico devoto:
“Ela então
levantou-se e, enxugando as lágrimas dos olhos, retirou um crucifixo
que trazia no pescoço e estendeu-o em minha direção. De pronto, eu
não soube o que fazer, pois como adepto da Igreja Anglicana fora
instruído a considerar tais objetos de certa forma como símbolo de
um credo da idolatria.”
(p. 13 - L&PM 2009)
“Que Deus abençoe
aquela boa, boníssima mulher que pendurou o crucifixo sobre o meu
pescoço, pois sua simples presença material já é para mim um
consolo e um refúgio de segurança...”
(p. 46 - L&PM 2009)
Contudo, o que surpreende mesmo é,
como já foi escrito antes, a presença de um texano, um legítimo
cowboy, pretendente à mão de Lucy, no conto gótico vitoriano de
Stoker.
O autor lhe atribui virtudes como
força e determinação, disposição para ajudar as mulheres e
presença em vários lugares do mundo, ao mesmo tempo que relaciona
sua postura ao futuro de seu país de origem, os EUA:
“Sou um sujeito duro na queda
e, mesmo sendo derrubado, sempre caio de pé (...) Sua coragem e sua
honestidade fizeram de mim um amigo seu...” (pg.
66 – Nova Cultural 2003)
“Que bom sujeito é o Quincey!
(...) suportou tudo como um grande herói. Se a América continuar a
produzir homens assim, tornar-se-á certamente muito poderosa...”
(Martin Claret, pg. 200)
“É um sujeito muito bonzinho,
um americano do texas, e parece tão jovem e inexperiente que mal
podemos acreditar que já conhece tantos lugares. ”
(pg. 75 – Martin Claret)
“Creio que cheguei exatamente
na hora. Basta apenas me dizerem o que terei de fazer ... O sangue de
um homem bravo é a melhor coisa na terra para uma mulher em
dificuldade.” (Idem,
pg. 175)
E, a nosso ver o mais significativo:
é o americano quem corta o pescoço do vampiro!
O CÓDIGO DRÁCULA –
FINAL
Chegou o momento de
apresentar nossas conclusões. Não descartamos as outras teorias
existentes, como as questões da sociedade da Era Moderna, a
importância do sangue no imaginário do XIX, as transformações
culturais e científicas, etc.
Mas acreditamos na
plausibilidade de nossa conclusão, ao mesmo tempo em que não
encontramos visão semelhante, com exceção do que já foi mencionado.
Vimos que Bram Stoker
era um irlandês que nasceu e cresceu durante movimentos que opunham
os interesses de seu povo aos ingleses, senhores das ilhas
britânicas, o opressor Império onde o Sol jamais se punha.
A fala de Drácula,
impregnada de nacionalismo, reivindica seu direito à conquista e à
dominação. Sua escolha como personagem demonstra, a nosso ver, que
ele não é apenas o “cara mau” desta obra, mas é o grande vilão
da vida do irlandês Bram Stoker.
Drácula vampiriza,
escraviza com seu sangue, conquista, domina, em cada lugar que vai
sua terra impregnada de sangue vai com ele. Por quê?
Porque ele não é apenas uma representação do nacionalismo inglês, ele é a
própria Inglaterra, a nação guerreira, conquistadora e opressora, que
vampiriza a Irlanda, que a dominava quando esta definhava de fome,
que virou as costas à Igreja, que engana, conspira, que faz uso dos
mares e dos ventos que impelem sua força naval!
Drácula/Inglaterra
miscigena seu sangue em suas colônias, tornando-as suas escravas.
Esses domínios jamais vêem o pôr-do-Sol, o que Stoker subverte,
fazendo do vampiro um inimigo da Luz.
As mulheres da obra de
Stoker são as vítimas preferidas de Drácula. Ele quer sangue e
escravas.
Mina, enquanto mocinha
virtuosa, trabalhadora e pobre, é a Irlanda de Bram Stoker. As
demais mulheres, tão diferenciadas entre si, são as outras colônias
inglesas.
O
ato de contaminar
essas mulheres, tornando-as suas escravas, representa a miscigenação, já
mencionada, mas também a influência cultural inglesa que se espalha
corrompendo os valores caros ao autor.
Mina, que resiste,
auxiliando os amigos, é a esperança de Stoker. O autor coloca seu
país na vanguarda da luta contra o “mal”.
A fé católica,
mostrando sua força perante o anglicanismo, age como força de
salvação, como ponto de união dos irlandeses contra a vampirização
inglesa, contra aqueles que adotaram uma nova religião.
Do irlandês Stoker,
não poderíamos esperar nada diferente, embora possamos notar seus
desejos de uma união com a ciência, o que certamente demonstra seu
encanto e cuidado com os avanços de seu tempo.
O cowboy americano é
jovem, viril, ainda puro e destemido. Suas andanças fazem dele um
cidadão do mundo que não teme oferecer o próprio sangue em auxílio
às mulheres.
É ele quem transpassa
o coração do vampiro e liberta o mundo do opressor. É o herói de
Bram Stoker.
Rezende defende que Stoker percebe a "...crescente relevância dos Estados Unidos no cenário mundial..." (pg. 42), e concordamos com ele. Para nós o cowboy é os Estados
Unidos, que venceu os ingleses, terra da liberdade para onde acorrem
levas de irlandeses em busca de paz, em quem Stoker deposita a fé em
uma contraposição aos ingleses no mundo. Fé na Liberdade.
Sua morte, ao final,
para nós representa apenas um desfecho heroico. O que importa, contudo, é a
projeção dos EUA como uma nação poderosa no futuro, já citada
antes.
Esta é, portanto,
nossa visão a respeito do que pode estar por trás da obra de Bram
Stoker.
Discordamos de Rezende
quando coloca a obra como um estímulo aos “...irlandeses de
todas as partes do mundo, principalmente os da América, para lutar
pela libertação de sua terra natal.”(pg. 42)
Seria uma linguagem tão
cifrada que a maioria de seus compatriotas não conseguiria decifrar.
A nosso ver a obra é
uma crítica refinada e muito camuflada à superpotência britânica.
Como funcionário público Stoker talvez não tenha intentado ir tão
longe a ponto de se arriscar pessoalmente.
A despeito disso,
porém, admitindo a veracidade de nossa tese, isso faria de nosso
autor um nacionalista irlandês criticando a Inglaterra de dentro da
própria sociedade inglesa e, ironia fina, sendo aplaudido por ela!
FIM
REFERÊNCIAL
BIBLIOGRÁFICO
FIGUEIRA, Divalte
Garcia. História. São Paulo: Editora Ática,2002
STOKER, Bram. Drácula.
Trad. Vera M. Renoldi. São Paulo: Nova Cultural, 2002.
_____________. Drácula.
In: Os três maiores clássicos da literatura de terros. Org. Stephen
King. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
_____________. Drácula.
Trad. Theobaldo de Souza. Porto Alegre: L&PM Editora, 2009.
_____________. Drácula.
Martin Claret.