sexta-feira, 28 de julho de 2023

BARBIE. ÍCONE DO ESTEREÓTIPO FEMININO OU REVOLUCIONÁRIA? DUAS ANÁLISES


Não entendo nada de Barbie, mas entendo perfeitamente o apelo saudosista que ela deve ter sobre as mulheres de diversas faixas etárias que brincaram com a boneca, origem das imensas filas que se formam nos cinemas, com meninas (de todas as idades) vestidas de rosa.

É o mesmo que mobiliza os homens para filmes como “Os Mercenários” de Stallone, Indiana Jones, Top Gun, etc.

O que me chamou a atenção para o filme, foi ver a reação de pseudoconservadores e pseudomoralistas que, na falta do que fazer em suas vidas medíocres, se levantaram das pantufas para bradar contra o filme, por ele não representar seus valores.

Por isso pensei em assistir o filme e escrever sobre ele. Mas eu jamais poderia ter uma compreensão completa dele, primeiro por não ser mulher e, em segundo lugar, por jamais ter brincado com a boneca e, somando os dois, por não ter a experiência de ter sido de alguma maneira influenciado por esse ícone dos brinquedos femininos. Assim, selecionei os escritos de duas mulheres das mais capacitadas e apresento abaixo. As imagens são adição nossa. Boa leitura e reflexão.

Marcello Eduardo.



APESAR DE EU AMAR COR DE ROSA

Maira Magno – Professora de Artes

Publicado no Facebook

Apesar de eu amar cor de rosa e praticamente tudo do estereótipo feminino, inicialmente não me interessei pelo filme, depois foram aparecendo as críticas, primeiro as dos fundamentalistas, depois as dos críticos sérios de cinema, e por último as da nova esquerda midiática. Tirando os especialistas sério em cinema, todos criticavam duramente o filme, por isso fui ver.

Como qualquer obra com múltiplas camadas é praticamente impossível dissertar sobre ela e abarcar tudo o que a obra representa, especialmente por se tratar de cinema de referência, onde sem alguns conhecimentos prévios fica realmente difícil fluir a obra em sua inteireza.

Para iniciar temos que falar um pouco da boneca em si, seu histórico e o que ela representa simbolicamente. O auge da Barbie foi no fim dos anos 70 e toda a década de 80 e grande parte dos anos 90.


Na minha infância uma menina não ter uma Barbie era quase impensável, ela era o modelo em plástico da Xuxa, Madonna, Sereia Splash e qualquer outro ícone feminino da década. Trazia um quê de Marilyn Monroe e o glamour dos anos 50, mas já não era mais a dona de casa de era do well fair state, estava no mercado de trabalho ocupando várias posições, sempre linda, magra, peituda e plástica, bem ao estilo das divas da época. 

Nos seus 25 anos de reinado ela literalmente definiu o que é feminilidade para a minha geração. Se na geração dos meus pais o estereótipo de feminino era a Penélope Charmosa, se na geração anterior era a Betty Boop, na minha era a Barbie.

Tudo o que é estereotípico do feminino é Barbie, Barbie Fascista, Barbie Fitness, eu mesma me chamo de Barbie Revolução.

Barbie é o feminino inegável, o universo radicalmente oposto ao masculino. Desta dominação do mercado surgiram milhares de outras bonecas na mesma estética, todas chamadas genericamente de Barbie, ou seja, mesmo que não seja a original da Mattel, é praticamente impossível que uma criança ocidental nascida dos anos 80 para cá nunca tenha brincado com uma Barbie. Barbie é no mais profundo sentido da palavra, um ícone.

Mas quem é a menina do século XXI? Quais são as questões que essa geração está lidando? Se nos anos 80 as filhas da geração dona de casa sonhavam em desbravar o mercado de trabalho, porém mantendo o glamour, o que as meninas filhas das mãe que brincaram de Barbie nos anos 80 esperam superar em relação às suas genitoras?

Como diria senhora Bia, para os olhos desatentos parece que é disso que se trata o filme e é isso que enfurece tanto os conservadores. Mas não, o filme é sobre outra coisa.

O filme é uma obra-prima sobre o conceito de ideologia em Marx, (não, eu não estou delirando). Não importa o quanto a cultura mude, não importa o quanto os movimentos de contracultura ganhem visibilidade, superar o capitalismo é impensável.

Depois de todas as suas piruetas sarcásticas e críticas escrachadas à sociedade patriarcal, a Barbie é ETERNA, não importa se, como se mostra no filme, agora a Barbie vem com celulite, usa chinelo, está esgotada, toma medicação psiquiátrica, atingiu os mais altos cargos no mercado de trabalho, você (mulher, ser humano neste planeta) é um consumidor destituído de qualquer consciência sobre quem de fato “brinca” com o seu desejo (essa inclusive é uma metáfora bem poderosa no filme, as mãos que brincam com a Barbie, definem os novos modelos da boneca lançados no mercado) desde que ele vire consumo, está tudo bem!

Pode ser feminista, pode ser presidente, pode ser cadeirante, gorda, mãe esgotada, pode berrar por mais direitos, pode escancarar todas as injustiças da sociedade patriarcal que, no fim, o capital te apresentará uma solução em plástico dentro de uma caixa rosa e desde que você compre, está tudo bem!
Falando um pouco sobre o aspecto estético do filme ele é um verdadeiro Monty Python do século XXI, mas é uma esculhambação, um sarcasmo, um deboche num nível que chega quase a ser imoral para o modelo açucarado de Hollywood.

Visualmente o filme faz milhares de referências à cultura POP dos anos 80 e de fato o filme é para pessoas da minha geração e da geração imediatamente posterior, gente na faixa dos 30 a 50 anos, que consegue sacar se não todas, mas muitas das referências estéticas do filme. E são muitas, camadas e camadas e camadas e piadas internas, se sobrepondo às piadas quase pornograficamente explícitas dos diálogos.

No fim, os olhos desatentos saem do filme pensando, WHO RUN THE WORLD? GIRLS!!! Como diria talvez o maior ícone de feminilidade deste século. Mas, para os olhos atentos, o filme é claro quando diz: “Meu amor, quer dar chilique? Nós vamos fazer a Barbie chiliquinha pra você brincar!”

Vocês podem estar no mercado de trabalho, na política, podem até ter imperfeições físicas, aceitá-las e viver bem com elas, mas, como a Barbie, vocês são só brinquedos e as mãos que os manipulam, não são as suas.

ADENDO: uma das minhas piadas favoritas do filme é que as mãos que brincam com a Barbie principal do filme, são as de Betty, a Feia.


A ATRAÇÃO ERA A BARBIE, O FILME, MAS O SHOW ESTAVA NA PLATEIA

Denise Assis – Jornalista

Publicado no site Brasil247 AQUI.

Fui ver Barbie, o filme. Sim, repito: fui ver Barbie, e numa sessão da tarde, com uma plateia repleta de meninas na faixa de 10 a 17 anos, de trajes rosa, ou adereços no tom do tema. Nem que fosse uma bolsa, um laço, um sapato. Pensei: deu ruim. Vai ser um tal de tagarelar, comer pipoca de maneira ruidosa e acender os celulares na minha cara – nada mais irritante no cinema. E muitos adultos o fazem. Mesmo em filmes de arte.

O enredo todos já sabem. Uma boneca Barbie se pega tendo defeitos imperdoáveis, tais como celulite e pés sem a curva do salto alto, chapados no chão, aquele mesmo que a Barbie nunca pisou, pois sempre esteve metida num scarpin. Na luta por voltar ao padrão, ela descobre que ser de carne e osso era tudo o que buscava. Ainda que com a problemática feminina na cartela. O que não é pouco.

No escurinho do cinema, eu era uma das poucas que podia dizer que vi pela TV as cenas da Betty Friedan a queimar sutiãs pelas ruas de Nova Iorque, li “O Relatório Hite” - profunda pesquisa sobre a sexualidade feminina lançada em 1976 –, vi a chegada da pílula e enfrentei em conflitos com os pais na hora de sair de casa e me fazer independente. As mulheres adultas no cinema estavam acompanhadas (de suas filhas? Sobrinhas? Netas?) pré-adolescentes. Assim, com o sentimento de uma “dinossaura” na Disneylândia, tinha um olho na tela outro na plateia.

Grata surpresa! Elas entenderam tudo!

Foi com um sentimento difuso entre emoção (ou seria de satisfação, por ver nosso esforço recompensado?) que eu as vi vibrando no momento certo, pela “virada da Barbie”. Aplaudiram os discursos potentes da “boneca”, para convencer as demais a aderirem à mudança, e as vi rindo da fragilidade do Ken, dividido entre ser o macho Alfa e encarar a humanização com a mesma coragem e vontade de Barbie.


E, pasmem, como é típico nesta fase – a adolescência -, quando a luz da tela batia mais forte, pude perceber vários rostinhos banhados em lágrimas nas falas mais enfáticas a favor dos direitos femininos. (Vamos respeitar! Elas estão amadurecendo).

No final, não foram poucas as mães que tiveram de esperar as suas meninas se recomporem para sair, pois haviam se emocionado, de fato.

Naquele universo, entre o rosa bebê e o pink, fiquei me lembrando dos dados do relatório do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na véspera, que atestou o crescimento de todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes, em 2022 (ano ainda sob a batuta do inominável).

Cresceram o número de casos de abandono, maus tratos, lesão corporal e de crimes sexuais, apontava o estudo, que demonstrou também que os registros de crimes contra crianças e adolescentes já superam os números de antes da pandemia de Covid-19. Ao todo são mais de 102 mil menores de idade vítimas de violência no país e os especialistas destacaram que os números oficiais estão longe de representar o total, já que há grande subnotificação desse tipo de crime.

Fiquei pensando quantas já encontraram ou encontrariam o seu “predador” dentro de casa, entre os familiares, os maiores perpetradores desse tipo de crime? Vocês reagirão: elas não. São de classe média (garotas de família!). Pois eu lhes respondo que se existe algo perversamente “democrático” no país, é o estupro. Estão aí, nas páginas, as ex-mulheres de embaixador, de políticos com nomes de destaque do Congresso e muitas endinheiradas, que a gente nem imagina, passam por isso, pois preferem se calar, a denunciar e se verem enredadas em um escândalo.

Segundo o anuário, o estupro é o tipo de crime com o maior número de registros contra menores de 18 anos no Brasil e teve um aumento de 15,3% no ano anterior - passando de 45.076, em 2021, para 51.971. Atinge a todas as camadas sociais. Das classes mais altas, como já citado, às garotas de periferia, obrigadas a dormirem em casa de cômodos exíguos, às vezes até sem divisão de quartos.

O que a sessão da Barbie me deixou, foi com a sensação de que ali estava um exército de meninas conscientes, fortes e dispostas a lutar pela liberdade de escolha e por seus destinos. Há esperança!

Quanto ao filme, mostra uma Margot Robbie perfeita para o papel, e tem seu ponto alto no balé dos homens fragilizados, em que o ator Ryan Goslin dá um show de graça e talento. Gostei do que vi na tela – apesar de altamente previsível – e na plateia. Valeu o ingresso. 

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