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sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A ROMA DO GLADIADOR – III



A ROMA DO GLADIADOR – FICÇÃO E HISTÓRIA - III

Começamos nossa comparação do filme Gladiador x História, observando o Exército Romano e a Legião Félix, da qual Maximus afirma ser o general. Depois vamos nos deter nos personagens históricos Marcus Aurelius e Comodus e, por fim, a política do Pão e Circo.
Nossas perguntas são: como se organizava o Exército Romano? É possível enxergar essa organização no filme? A Legião Felix existiu? Os Imperadores Marcus Aurelius e Comodus estão corretamente retratados na obra? Como funcionava a política do pão e circo? Como era o sistema de lutas de gladiadores?
Para responder essas perguntas, vamos recorrer às obras de Gibbon1 e Rostovtzeff.2
O EXÉRCITO ROMANO EM “GLADIADOR”
Voltar para casa. É a primeira ideia que o filme coloca, já na primeira cena. O General Máximus, comandante da Legião Félix, lembra-se dos campos de trigo de sua casa e alegra-se com o pássaro que voa, para depois voltar-se para seus homens, bem posicionados, em uma colina do norte da Germânia, região que atualmente faz parte da República Tcheca. 
A Legião Félix
A Legião Félix realmente existiu, tratava-se da “Legio IV Flavia Felix”3, fundada no ano 70 d.C. por Vespasiano, em substituição à Legião IV Macedônica, e, de fato, esta legião participou da guerra contra os germanos, compondo o exército de Marcus Aurélius. 
O filme retrata bem essa época, ano 180 d.C., quando o próprio Imperador comandava os romanos contra os germanos que atravessaram o Rio Danúbio em 169 d.C., durante às chamadas Guerras Marcomanas, ou Germânicas como chamavam os romanos4 (bellum Germanicum5 ou Expeditio Germanica Secunda6), nas distantes fronteiras do império.
Tropas e Armas
O exército é bem retratado. Notamos a disposição das tropas, na retaguarda as catapultas e os escorpiões (lançadores de dardos), seguidos dos arqueiros e, por fim, na linha de frente, a infantaria, os legionários com seus escudos curvos e retangulares, lanças (pilum), espadas (gladii), armaduras e elmos.
No filme não notamos bem as divisões internas que as legiões possuíam, as decúrias, as centúrias, as coortes, etc, e nem o posicionamento das fileiras da infantaria. Mas vale lembrar que trata-se de um filme e não um documentário.
O exército romano, historicamente, segundo a pesquisa realizada para o filme, estendia-se por cerca de 1,5km. Os soldados perfilavam-se em fileiras de 1000 homens, distando cerca de 2 metros um do outro.
A fileira seguinte posicionava-se 4 metros atrás, cada soldado posicionado no espaço entre os dois que estão à sua frente, assim, quando a tropa se posicionava para arremessar as lanças, não feriam os homens da fileira de trás. Não notamos isso, mas podemos ter bem uma ideia da organização que tornava o exército romano tão superior.
As armas também não podem ser consideradas exatamente iguais às da época, uma vez que sua confecção é apenas inspirada em estátuas e livros. As catapultas do filme conseguiam arremessar os vasos de óleo a 140m de distância. As verdadeiras lançavam seus projéteis a 250 metros segundo as informações do filme! Os escorpiões lançavam os dardos a 300 metros!
Estratégia
A estratégia também é valorizada. No início, logo após decidir sobre a posição das catapultas, Maximus monta seu cavalo e vai para o meio da floresta, atrás das linhas inimigas, encontrar-se com a cavalaria, que vimos se deslocando pela retaguarda na primeira cena.
Notamos que o ataque é coordenado (Ao meu sinal, mostre o inferno!). Uma pesada carga de artilharia, composta de vasos de óleo incendiado, dardos e flechas, é disparada. Enquanto a infantaria marcha, batendo nos escudos, lembrando o pelotão de choque das polícias atuais.
Esse ataque de artilharia tem um limite de tempo para ocorrer, pois deve estar encerrado com o maior sucesso possível quando a infantaria tiver alcançado o inimigo, evitando o chamado “fogo amigo”. Em tempo, também, de evitar atingir a cavalaria, que chega por trás, surpreendendo o inimigo e, praticamente, encerrando a batalha.

A eficiência da infantaria é visível. O avanço é bastante organizado, feito como uma parede de escudos. As flechas inimigas encontram a formação Testudo, a tartaruga, copiada dos macedônios e espartanos.
Escudos empurram, as espadas golpeiam, escudos repelem os contra-ataques, e o inimigo vê-se bloqueado por uma barreira que os empurra de encontro à cavalaria que chega na retaguarda, obrigando os germanos a se defender, voltando as costas às espadas da infantaria. Duas frentes, derrota certa.
Indumentária
Vale ressaltar o cuidado na composição dos figurinos, que praticamente excluiu aquele visual dos filmes de época, das saias, substituindo-as por calças curtas, mais lógicas para o inverno que se iniciava.
Pode-se observar que as armaduras não são aquelas tradicionais, porém mais elaboradas, e embora as armaduras apresentadas nos filmes épicos sejam as mais encontradas em estátuas e colunas, as que são usadas em “Gladiador” podem ser vistas em alguns museus e parecem ser bem mais eficientes na proteção ao corpo do soldado.
Vemos também que as patentes são mais distinguíveis, diferentes dos filmes dos anos 50 e 60, onde, com raras exceções, todos os romanos vestiam-se como centuriões, usando aquele elmo com penacho.
O aspecto dos soldados, sujos e esfarrapados, com as armaduras envelhecidas também é bem colocado, lembrando-nos que aqueles homens estão há anos longe de casa, guerreando, sem tempo de preocupar-se muito com a aparência.
Conclusão
O filme faz uma boa representação do exército romano, certamente sem fidelidade absoluta aos dados históricos, mas seguindo uma lógica aceitável.
Do acampamento dos soldados até a estratégia militar, nota-se uma preocupação em mostrar realismo, se não 100% histórico, mas ao menos plausível aos nossos olhos.
Continua...
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1 GIBBON, Edward. Declínio e queda do Império Romano. Tradução e notas suplementares de José Paulo Paes. Editora: COMPANHIA DAS LETRAS. São Paulo, 1980.
2 ROSTOVTZEFF, M. História de Roma. Rio de Janeiro; Zahar Editores, 1961.
3 LENDERING, Jona. Legio IIII Flavia Felix. 
http://www.livius.org/le-lh/legio/iiii_flavia_felix.html - Cap. em 14/09/15
4“It was during Marcus' war against the Germans that the following incidents occurred ...” (LXXI – 5)

http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Cassius_Dio/72*.html
5Historia Augusta – Marcus Aurelius (pars II) – (21-8)
http://penelope.uchicago.edu/Thayer/L/Roman/Texts/Historia_Augusta/Marcus_Aurelius/2*.html
6História Augusta - The Life of Marcus Aurelius - Part 2 (Nota 182)
http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Historia_Augusta/Marcus_Aurelius/2*.html#note181

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