HERÓI
DA REPÚBLICA – A VISÃO DE JOSÉ M. DE CARVALHO
José
Murilo de Carvalho9
fala da dificuldade em se construir um herói para a República.
Deodoro, que poderia encarnar o papel, tinha contra si a aparência
com o Imperador, um duvidoso republicanismo e sua fama era restrita
ao meio militar. Benjamin Constant também não atendia ao perfil
desejado.
Floriano
Peixoto não unificava, ao contrário, dividia Militares e Civis, uns
contra os outros e entre si mesmos, pela forma como se conduziu nas
Revoltas da Armada e Federalista. Por fim o próprio movimento da
proclamação carecia de participação popular e seus líderes eram
ilustres desconhecidos do povo.
Apela-se
então à figura cuja história se vinha tentando resgatar nos
círculos republicanos desde a década de 1870: Tiradentes!
Carvalho
comenta que a disputa historiográfica sobre Tiradentes foi e
continua intensa, contudo esta não é sua meta, mas, antes, como se
dá a construção do mito e como sua simbologia é apropriada.
Para
o autor há poucas informações sobre quem foi e como vivia
Tiradentes, embora se saiba que foi grande a comoção popular
causada pela condenação dos inconfidentes, que o povo ficou
aliviado com o perdão concedido à maioria, embora condoído pela execução do
único réu não perdoado. Cita ainda que o delator, Joaquim Silvério
dos Reis, foi amplamente rejeitado em Minas e no Rio de Janeiro,
trocando de nome e tendo, por fim, de se refugiar no Maranhão.
Mas
a luta pela memória de Tiradentes se arrastou por toda a vigência
do império, pois resgatar sua figura consistia em condenar a avó do
proclamador da Independência, D, Pedro I e da bisavó do Imperador
da época, D.Pedro II.
Para
Carvalho, apenas a obra de Robert Southey, publicada em 1810, é
neutra, embora sua fonte sobre o tema fosse bem limitada. As demais
publicações, para o autor, estavam todas contaminadas de ideologia,
ou monarquista, ou republicana, embora reconheça o caráter inédito
e mais bem embasado da obra de Joaquim Norberto de Souza Silva,
História
da Conjuração Mineira,
feita a partir dos Autos da Devassa, guardados nos arquivos
imperiais, entre outras fontes.
A
obra nos permite conhecer o Tiradentes que passou os últimos anos de
vida no cárcere, onde entrou como um revolucionário e de onde teria
saído convertido em fervoroso cristão, obra dos franciscanos que
buscaram catequizá-lo. Para Carvalho, Norberto diminui a importância
de Tiradentes e aumenta a de Gonzaga, tira o foco de um representante
humilde e passa para um membro da elite.
A
transformação de Tiradentes em religioso, que sai das páginas de
Norberto, irritou os republicanos, mas para Carvalho é justamente
isso que vai contribuir para a mitificação do homem.
A
associação religiosa, a figura aproximada da imagem de Cristo, tudo
isso esta nas representações artísticas e vai crescer até a
proclamação, embora jamais tenha existido nenhum retratista que
tenha representado Tiradentes enquanto este vivia, nenhum que o tenha
conhecido pessoalmente, mas, antes, uma descrição sua como "feio
e espantado", nas palavras de Alvarenga Peixoto. Bem diferente
daquela figura cristianizada e serena que povoa os livros de História
e os bustos espalhados pelo país.
O
autor identifica ainda a não-concretização da revolta, o
não-derramamento de sangue, o auto-imposto comportamento de mártir
de Tiradentes, a forma de sua execução como contributos para que
permanecesse no imaginário popular como um herói corajoso que
enfrentou a morte por acreditar em seus ideais, logo, figura passível
de ser reivindicada por qualquer ideal, até mesmo abolicionista,
operário, socialista ou anarquista.
Isso
servia aos interesses do novo regime político que o queria como
herói nacional unificador de todos os interesses e não apenas os
republicanos, o que sempre geraria críticas dos adversários do
regime.
A
apropriação que todos fizeram de sua imagem, contribuiu para que se
tornasse o símbolo procurado, aceito por todos, servindo aos
interesses de todos.
Continua...
9CARVALHO,
José Murilo de. Tiradentes:
Um Herói para a República in: A Formação das Almas.
Cia. das Letras.
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