O BRASIL VISTO DE PORTUGAL
Impressões sobre
a palestra do Prof. Dr. Sérgio Claudino da Universidade de Lisboa na UFS - Universidade
Federal de Sergipe
Participei, como ouvinte, da Conferência
de abertura do II Encontro de Pós-Graduação em História e II Seminário de
Pesquisa Internacional e Multidisciplinar com o título História e Geografia:
Diálogos Possíveis no Ensino e Pesquisa – Portugal e América Latina, realizada
na Universidade Federal de Sergipe no dia 22/11/2016.
A conferência de abertura, com o título
“O Brasil visto de Portugal. A construção de um discurso escolar e social
durante dois séculos.”, ministrada pelo Prof. Dr. Sérgio Claudino da
Universidade de Lisboa me impressionou tanto que decidi escrever este texto e
compartilhar com os raros leitores do Reino de Clio.
Já peço desculpas por eventuais
imprecisões e explico que não tomei notas no dia, de modo que escrevo bem
resumidamente e de memória.
Segundo depreendi das palavras do Dr.
Claudino, nenhum país é tão lembrado ou homenageado em Portugal quanto o
Brasil.
Ele destaca que Lisboa possui uma Avenida
do Brasil, Avenida Rio de Janeiro, Avenida Brasília, e uma imagem do Cristo
Redentor, de construção posterior a nossa.
A Primeira travessia aérea do Atlântico
Sul,1
feita pelos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral em 1922, que partiu de
Portugal e chegou ao Rio de Janeiro, é um feito celebrado com monumentos por
todo o pais.
O Dr. Claudino acredita que essa profusão de homenagens só tem tal
dimensão porque o vôo foi feito entre os dois países.
Percebi, através das palavras do
palestrante, que após a independência, especialmente depois da assinatura do
Tratado do Rio de Janeiro (1825) a política entre os dois países foi guiada por
uma visão conciliadora.
Em seus dois primeiros artigos, “O rei
de Portugal D. João VI reconhece o Brasil como um império independente,
chefiado por filho Pedro e seus descendentes. No entanto, D. João VI guarda
para si a prerrogativa de ser tratado como Imperador.” e “D. Pedro I
concorda que seu pai utilize o título de Imperador até à morte.” 2
Minha opinião é que a coroa e a alta
sociedade portuguesa tinham esperança de que os dois países voltassem a se
unir, levando em conta que D. Pedro I era Imperador do Brasil (assim como seu
pai pelo tratado) e também herdeiro do trono português.
Contudo, mesmo a não realização desse
suposto sonho, não impediu o aumento do interesse de Portugal pelo Brasil.
Depois da independência, e por mais de
100 anos, até 1975, o Brasil foi estudado e exaltado em praticamente todos os
livros didáticos e manuais de estudo, de qualquer categoria profissional, em
Portugal.
E esse interesse materializou-se na
grande emigração de portugueses rumo ao Brasil, muito mais do que em direção às
colônias portuguesas. Neste aspecto, embora não citada pelo Dr. Claudino, creio
ser conveniente mencionar que a Profª. Drª. Carminda Nogueira de Castro
Ferreira 3
informa que “...a imigração portuguesa aumentou entre os anos de 1850 a 1888. Só em 1888,
entraram no Brasil 23 mil portugueses.”4
Para ela, “O interesse do português
pelo Brasil estava voltado predominantemente para o domínio do comércio
juntamente com a visão do Brasil como país da aventura, país da sensualidade,
terra de leite e de mel...”. Em outras palavras, o Brasil seguia sendo um
lugar para onde os portugueses poderiam ir para enriquecer. Viria dessa época a
má imagem dos portugueses que se cultivou em nosso país por muito tempo.
Quando o Império Português se desfez em
1975,5 o
Brasil deixou de ser tão estudado nas escolas de Portugal, embora não
completamente. Entendi das palavras do Dr. Claudino que o Brasil servia como
uma forma de legitimação da ação colonial portuguesa. Uma vez que não havia
mais colônias, o Brasil tinha sua importância reduzida. Mas não apagada.
Quando, nos anos 90, por conta das crises
econômicas e pela aplicação da política neoliberal, muitos brasileiros deixaram
o país para tentar a vida em outros lugares, tendo Portugal como um dos
principais destinos.
Tal afluxo acabou gerando uma crise de
rejeição ao imigrante brasileiro que gerou o movimento conhecido como Mães de
Bragança, onde algumas senhoras portuguesas enciumadas de seus maridos levaram
à perseguição a brasileiras imigrantes.6 O
auge da crise dos imigrantes oriundos do Brasil porém, foi o assalto a um banco
de Lisboa, praticado por dois brasileiros em agosto de 2008.7
O Dr. Claudino não mencionou, mas
considero importante lembrar que, pelo lado brasileiro, a maior repercussão foi
a crise dos dentistas, cujo grande afluxo ao país ibérico gerou contestações da
principal entidade de profissionais locais ainda em princípios dos anos 90.8
Contudo, segundo o Dr, Claudino, mesmo
nestes momentos de maior desgaste na relação, os brasileiros não foram
execrados na mídia portuguesa, apenas não eram citados, como se fosse adotada
uma prática inconsciente de que, se não poderiam falar bem, mal não falariam
dos brasileiros.
Creio podermos considerar um exemplo
dessa prática a declaração do criminologista português Moita Flores, que chama
atenção para o problema da imigração, mas não cita o Brasil nem os brasileiros:
“Este tipo de criminalidade está chegando a Portugal. E veio para ficar
porque a situação social mudou e se estabeleceram em Lisboa.”9
Terminadas essas crises, o Brasil sempre
voltou a ser visto com admiração em Portugal, inclusive na primeira década do
século XXI, quando o país atravessou um período de prosperidade e projeção
positiva no cenário internacional, enquanto Portugal vivia uma crise econômica
devastadora.
O Dr. Claudino não citou, mas sabemos que existem, claro, casos de
xenofobia, o que mostraria, a meu ver, que a fascinação referente ao país, não
se manifestaria com a mesma ênfase no contato face a face, pelo menos com a mesma frequência.
Por outro lado, o Dr. Claudino informou
que a imigração de portugueses para o Brasil só não é maior por conta das
inúmeras dificuldades que a diplomacia oficial impõe a essa vinda. E, apesar
das piadas de portugueses, das quais todo mundo conhece alguma, nossa visão sobre eles hoje é bem melhor do que há 100 anos.
Assim sendo, ficamos com a impressão de
que, a despeito da visão estereotipada que possa haver em relação aos
brasileiros, nosso país sempre despertou fascínio em Portugal. Uma
espécie de fascínio que nasceu daquela rejeição que significou a independência.
Que esse fascínio tenha sido usado como
legitimador do colonialismo português nos parece mesmo uma estratégia do
salazarismo que, por outro lado, dificilmente poderia trabalhar sobre um
sentimento inexistente.
No entanto, as supostas explicações para
a fascinação, seja o desejo de reunião dos primeiros anos pós independência, ou
a busca por riquezas na segunda metade do século XIX, ou ainda a estratégia
salazarista, tudo isso deixou de existir a partir de 1975. Por quê, então, o
fascínio permaneceu?
Fiz esta pergunta ao Dr. Claudino e ele
me respondeu que justamente nesta época, os anos 70, a televisão de Portugal
começou a transmitir, com enorme sucesso, as novelas brasileiras. E isso fez
com que se criasse uma permanente presença do Brasil nos lares de Portugal.
Certamente podemos concordar com ele,
tendo em vista que o mesmo efeito causa em nós os filmes e séries de TV dos
EUA. E você, caro e raro leitor do Reino de Clio? Concorda com essa visão? A
fascinação portuguesa por nosso país foi surpresa para você? Para nós foi!
Marcello Eduardo
Fontes
e Imagens:
1https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_travessia_a%C3%A9rea_do_Atl%C3%A2ntico_Sul
2https://pt.wikipedia.org/wiki/Tratado_do_Rio_de_Janeiro_(1825)
3https://pt.wikipedia.org/wiki/Carminda_Nogueira_de_Castro_Ferreira
4FERREIRA, Carminda Nogueira de Castro. O Brasil
na Visão dos Portugueses in: Revista A Terceira Idade – Encontro Velhos
Cidadãos – Ano XII – nº 21 – Fev/2001 - SESC/SP
5http://mafarricovermelho.blogspot.com.br/2011/02/luta-armada-pela-independencia-em.html
6https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A3es_de_Bragan%C3%A7a
7http://noticias.uol.com.br/ultnot/internacional/2008/08/07/ult1859u284.jhtm
8http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/o-caso-dos-dentistas-brasileiros-em-portugal
9http://noticias.uol.com.br/ultnot/internacional/2008/08/07/ult1859u284.jhtm
http://abnoxio.com/esposas-do-minho-e-maes-de-braganca-chegou-finalmente-a-hora-de-mostrardes-o-que-valeis
http://www.conexaoportugal.com/2012/08/xenofobia-entre-brasileiros-e.html
http://uipi.com.br/noticias/esporte/2013/09/09/crise-afeta-clubes-portugueses-e-traz-mais-riscos-para-jogadores-brasileiros/
https://deomnire.files.wordpress.com/2014/06/fafa_211.jpg
Nenhum comentário:
Postar um comentário