Causa-me indignação ler as pessoas escrevendo,
principalmente nas redes sociais, e por qualquer motivo, que têm vergonha de
serem brasileiras. Indignação porque o país não tem culpa das situações
imputadas pelos “envergonhados”.
Se um político rouba, se a polícia se excede, se
um juíz liberta um culpado ou condena um inocente, se há filas nos hospitais,
se alguém se comporta mal no trânsito, o que o país tem de culpa nisso? O país
não é um ente consciente, com vontade própria. As pessoas são. E são, também,
responsáveis por aquilo que fazem e deixam de fazer dentro do país.
Por conta disso publiquei, no Facebook, uma série
de imagens e motivos que me fazem ter orgulho de ser brasileiro. Para mim é
impossível ter vergonha de ser brasileiro, é impossível ter vergonha do Brasil.
Também não tenho vergonha de meu povo. Alegre,
extrovertido, solidário, amigo, receptivo, criativo. Contudo, de uns tempos
para cá, tenho percebido a mudança (ou inexistência) dessas características em
uma parcela da população, justamente dentro da faixa que possui maior acesso à
educação, saúde, informação, lazer, esporte, etc.
Essa percepção começou a surgir em 2010 quando,
após a eleição de Dilma Roussef à Presidência, a internet encheu-se de
mensagens preconceituosas contra os nordestinos, mesmo
caso registrado na eleição de 2012, após a vitória de Haddad para Prefeitura de
São
Paulo. Ganhou
corpo em 2011, quando foi anunciado o câncer do ex-Presidente Lula e a rede
recebeu uma avalanche de mensagens de ódio contra ele. Finalmente, e
infelizmente, a percepção consolidou-se em certeza ao saber do episódio das
hostilidades praticadas contra os médicos cubanos.
Em seu blog o jornalista Ricardo Noblat, que não
pode ser acusado de linha editorial pró-governo federal, informa que “Médicos cubanos
foram vaiados, humilhados e ouviram impropérios quando deixavam ontem à noite
uma sessão de treinamento em Fortaleza.” e pergunta “Que geração
egoísta, mesquinha, rude e desinformada é essa que estamos criando? Onde ela
guarda valores como solidariedade, respeito, ética e compaixão?”
E, na sequência, Noblat define o momento: “Vergonhoso! E
imperdoável!”. Nos comentários
que a postagem recebeu vários
de seus leitores o criticaram dizendo, inclusive, que estava virando “chapa
branca”.
Em relação ao mesmo episódio, a postagem de uma jornalista
do Rio Grande do Norte faz com
que as palavras faltem: "Me perdoem se for preconceito, mas essas
médicas cubanas tem uma Cara de empregada doméstica.”
Os médicos cubanos em questão chegaram ao Brasil
para o Programa Mais Médicos do Governo Federal. Vieram atuar onde a maioria
dos médicos brasileiros não quer ir, nas cidades do interior e nas periferias
das regiões metropolitanas. Pelo visto, alguns dos nossos médicos não querem ir
a esses lugares e nem querem que ninguém vá.
É natural e salutar que existam questionamentos a
qualquer programa do governo. É compreensivel que a oposição e seus eleitores
não apoiem entusiasticamente qualquer medida governamental, principalmente se
vai minimizar uma grande carência e converter-se, depois, em imã de votos. Apesar
de, em 1999, o governo da atual oposição ter adotado a mesma medida e recebido elogios. E
apesar, também, da falta de interesse dos médicos em deslocar-se para as áreas
remotas (algumas nem tão remotas assim), como nos casos registrados em Açailândia,
Imperatriz do Maranhão e outros lugares em que salários de R$ 35.000,00 não
serviram de atrativo.
Os argumentos contrários vêm sendo
sistematicamente refutados pelos fatos. Os médicos cubanos, que imaginamos
possuir excelente formação, compatível com os extraordinários indicadores de
saúde da tão mal falada ilha de Fidel Castro, prestam serviços em diversos
países do mundo, inclusive Portugal,
onde o fim dos contratos levou preocupação às autoridades. Mas
não é esta a questão.
Nosso foco neste caso é que nenhum argumento, por
mais bem embasado que seja, justifica as vaias e impropérios eventualmente
lançados contra os médicos cubanos por médicos brasileiros. Não é culto, não é
civilizado, não é educado, não é alegre, nem solidário, enfim, não é
brasileiro.
Registro aqui o meu lamento e a minha vergonha.
Não é vergonha de meu país e nem de meu povo, mas de uma pequena minoria que
esqueceu a brasilidade e demonstrou tão pouca solidariedade com aqueles que não
possuem acesso a um único médico da família.
Esses desamparados não estão pedindo por hospitais
bem equipados ou máquinas de radioterapia para tratamentos complexos em suas
pequenas cidades. Estão precisando de um médico que trate as doenças básicas
que ainda assolam as periferias. As verminoses, gripes, diarréias, etc.
Entendo que os recém-formados filhos da elite
prefiram ficar nas capitais, em hospitais e consultórios bem equipados. É
compreensivel. O que não é compreensível, aceitável ou desculpável é não querer
ir e não querer que ninguém vá. Não é solidário, nem humano, não é brasileiro.
Assim sendo, bem vindos médicos de Cuba, da Rússia
ou da Espanha. O verdadeiro Brasil lhes agradece a presença, a boa-vontade, a
solidariedade. Em troca lhes oferece trabalho, alegria, receptividade e
criatividade. E desculpas por alguns que, eventualmente, esqueceram o que é serem
brasileiros.
Marcello Eduardo