A AGONIA DE LONDRES
É difícil, quando se
vive tempos de paz, imaginar uma grande metrópole como Londres na
linha de frente de combates mortais. Por mais que tenhamos fotos e
filmes, elas não são capazes de transportar quem observa para
dentro de todo aquele horror. Fotos e filmes não têm cheiro, o som
das explosões não colocam nossas vidas em risco.
Na Londres de 1940, e
até 1945, o medo e as privações (estas alongadas muito além do
final da guerra), eram companheiros constantes dos londrinos, sem
distinção de classe, principalmente com o advento das bombas
voadoras.
Tal atmosfera sombria,
porém, já se desenhava bem antes dos ataques:
Em Londres, os sinais
da guerra estavam por todos os cantos. Barricadas de sacos de areia e
de arame farpado protegiam o Parlamento, o nº 10 de Downing Street e
outros prédios governamentais, enquanto balões de barragens, presos
a cabos, flutuavam sobre a cidade. Soldados e policiais montavam
guarda em pontes e túneis, atentos contra possíveis sabotadores. As
vitrines das lojas eram cobertas por painéis de madeira ou tinham
coladas faixas de papel marrom para evitar que estilhaçassem com as
explosões das bombas. Os espalhafatosos anúncios luminosos de
Picadilly Circus e as marquises iluminadas dos teatros do West End
permaneciam apagados em virtude de blackout, e as águas não mais
dançavam nos chafarizes de Trafalgar Square.(pg. 42)
Quando, a partir de
07/09/1940, as ordens de Hitler desviaram os aviões da Luftwaffe das
bases da RAF para as cidades, tornou-se comum a audição do ronco
dos motores, o avistar das imensas formações de bombardeiros e a
impressionante vista da cidade mergulhar em explosões, colunas de
fumaça e o céu se avermelhar com os incêndios, desmoronamentos,
gritos, choro.
...Londres iria sofrer
cinquenta e sete noites seguidas de incessante bombardeio. Até
então, nenhuma outra cidade na história havia sido submetida a tão
furioso ataque;(pg. 46)
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Bombardeios da Luftwaffe |
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Esquadrilhas de bombardeiros cruzam o Canal da Mancha rumo a Inglaterra |
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Vigiando os céus de Londres. |
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Pilotos da RAF partem para atacar os invasores. |
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A artilharia anti-aérea inglesa em plena atividade noturna. |
Os programas de
Edward Murrow foram muito bem sucedidos na transmissão da
resistência do povo londrino e na identificação dos verdadeiros
heróis:
Na Batalha de Londres,
as tropas da linha de frente não eram os ricos e bem-vestidos do
West End, e sim os bombeiros, os guardas, os médicos, as
enfermeiras, os clérigos, os reparadores de linhas telefônicas e
outros trabalhadores que todas as noites arriscavam suas vidas para
ajudar os feridos, coletar os mortos e fazer a cidade assediada
voltar à vida.(pg. 48)
O povo comum, sem
função pública diretamente relacionada aos consertos, também
enfrentava bravamente as adversidades, andando vários quilômetros
para chegar ao trabalho depois de noites mal dormidas nos abrigos,
enfrentando desvios dos bairros atingidos.
A despeito do medo, da
dor e da destruição causados pela Blitz, havia uma excitação no
ar, uma aura de energia quanto a viver em Londres durante aquele
período que, na opinião de muitos que lá estavam, jamais seria
igualado. A ameaça da morte parecia apenas engrandecer o regozijo e
a elevação da alma pela sobrevivência...(pg. 49)
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Rua recém bombardeada desobstruída e pessoas transitando em Londres. |
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A busca de proteção nos túneis durante os ataques nazistas. |
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Bombeiros combatendo incêndios após bombardeio. |
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Noites e noites passadas nos abrigos. |
A despeito da coragem
resoluta, Londres emagrecia. O trabalho dos submarinos alemães no
isolamento da ilha estava dando resultados crescentes em tonelagens
de navios afundados. Lynne Olson informa que a Inglaterra chegou
“...perto da extrema fome
como jamais esteve durante toda a guerra...” e que
legumes, verduras e frutas simplesmente desapareceram e o
racionamento de alimentos chegou ao extremo de permitir o consumo de
“trinta gramas de queijo e
a uma quantidade mínima de carne por semana, e a 250 gramas de
presunto e margarina por mês...”.
Com a interminável
sucessão de semanas e meses, porém, a moral do povo começou a
declinar. O Embaixador Winant afirmou, segundo Lyne Olson, que:
A fadiga e a
monotonia... os transportes interrompidos... a poeira... as roupas
esfarrapadas e gastas... o tédio que surge com o desejo de coisas...
nenhum vidro para reparar as vidraças ... tropeçar no blackout a
caminho de casa... racionamento de eletricidade e combustível —
tudo isso contribui para uma desanimadora imagem mesmo para os mais
determinados. (pg. 74)
Quando, após o ataque
japonês contra Pearl Harbour, os EUA finalmente entraram na guerra,
isso não significou muito alívio ao sofrimento inglês. Em poucos
meses o país recebeu a invasão de quase dois milhões de
combatentes americanos que ocupavam cada metro disponível de solo.
Se, por um lado, isso
trouxe uma movimentação da economia nos serviços demandados pelos
exércitos, por outro a gritante diferença entre o tratamento
dispensado às tropas americanas, que dispunham de tudo do bom e do
melhor em artigos que não eram disponibilizados aos ingleses, gerou
um sentimento de inferioridade e ressentimentos.
Com a execução da
Operação Overlord, o desembarque na Normandia, e a partida da
maioria dos soldados, a Luftwaffe praticamente desapareceu dos céus
da Inglaterra, mas em seu lugar chegaram as bombas voadoras.
As bombas V-1,
disparadas dia e noite de bases na França e na Holanda, chegavam
zunindo como um motor de motocicleta e semeavam terror e destruição.
Segundo Lyne Olson elas “Choveram
sobre a capital e seus arrabaldes, matando e ferindo mais de 330 mil
pessoas, destruindo cerca de 25 mil casas e danificando 800 mil
outras.”
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Bomba V-1 |
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Flagrante de bomba V-1 prestes a atingir Londres. |
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A singela e ineficaz tentativa de proteção. |
Ninguém estava a salvo
pois as bombas não possuiam alvo definido que não fosse Londres e
quando uma delas se aproximava era preciso imaginar, pelo barulho,
onde iria cair: “um silvo
distante que ia escalando até um alto rugido, seguido de alguns
momentos agonizantes de silêncio quando o motor parava e a V-1
mergulhava na direção do solo. Para muitos, o estresse de ouvir a
bomba desligar e esperar pela explosão se tornou quase
insuportável.” (pg. 240)
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Churchill visita Manchester. |
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O Rei George VI e a Rainha Elisabeth. |
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A Princesa (e futura Rainha) Elisabeth, voluntária no serviço de ambulâncias. |
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Inverno gelado em uma cidade cheia de ruínas e com o carvão para aquecimento racionado. |
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Flagrante do momento exato de uma explosão nas docas. |
Os próprios Eisenhower
e George Patton estiveram com suas vidas em risco pelos ataques das
V-1. As memórias de Churchill, citadas por Olson revelam o pesadelo
que os londrinos viveram naqueles dias:
O homem que voltava de
noite para casa nunca sabia o que encontraria; a esposa, sozinha o
dia todo com os filhos, não tinha a certeza do retorno do marido em
segurança. A cega natureza impessoal do míssil fazia com que a
pessoa em terra se sentisse indefesa. Havia pouca coisa que se podia
fazer, nenhum inimigo humano que pudesse ser abatido. (pg. 239)
Mas, quando parecia que
a situação não poderia piorar, as V-1 foram substituídas pelas
V-2. Elas eram maiores, carregavam mais explosivos e chegavam aos
alvos em silêncio, tornando a busca de refúgio virtualmente
impossível. Mais de mil dessas caíram sobre a cidade vitimando
cerca de três mil pessoas e obrigaram mais de um milhão a deixar
a capital. Londres ficou quase deserta.
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Bomba V-2 em sua plataforma de lançamento. |
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V-2 iniciando da descida rumo ao alvo. |
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Gigantesca explosão em Londres. |
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Socorro aos feridos. |
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A destruição catastrófica. |
Com a derrota e
rendição da Alemanha, e o fim da guerra na Europa, a partida dos
aliados que tinham seus quartéis-generais em Londres deixou a cidade
ainda mais solitária. E com o agravante de que não havia mais a
movimentação da economia que a presença dos estrangeiros,
especialmente os americanos, proporcionava.
E se o leitor acha que
o pior já passara, pode achar isso em termos militares, porque o
pior em termos de privações estava apenas começando, pois logo os
suprimentos do programa Lend-Lease, as exportações americanas,
foram cortados:
Oito dias após a
rendição do Japão, Harry Truman, sucessor de FDR, cancelou os
embarques de suprimentos alimentícios do Lend-Lease para a
Inglaterra, sem qualquer aviso prévio ao governo britânico. […]
No outono de 1945, a oferta de alimentos para os ingleses alcançou
seu menor nível em seis anos. Em vez de ser suspenso quando a guerra
acabou, o racionamento de alimentos no país se tornou
consideravelmente mais restritivo. A porção de bacon foi reduzida
em 25 por cento apenas dias após ser declarada a vitória sobre o
Japão, e as filas do pão, das batatas e de outros vegetais, muitas
vezes aumentaram um quarteirão no comprimento. (Pão e batatas logo
também seriam racionados.) (pg. 267)
A destruição deixada
pelos ataques da Luftwaffe e das bombas voadoras deixou um saldo de
40% das casas da cidade inutilizáveis por longo tempo e a Inglaterra
sofreu um processo de favelização de suas cidades, por conta dos
barracos e acampamentos que proliferaram para atender aos milhões de
desabrigados.
Por fim os americanos
concordaram em ajudar a reconstrução da ilha por meio de empréstimo
e desconto no pagamento das mercadorias do Lend-Lease. Apesar disso,
as feridas inglesas permaneceram ainda por longo tempo:
...os Estados Unidos
concordaram em ajudar a Inglaterra a sair de sua crise financeira com
um empréstimo de 3,5 bilhões de dólares, pagáveis em cinquenta
anos, e com generoso desconto no pagamento da ajuda do Lend-Lease já
proporcionada. Dos 21 bilhões de dólares de débitos do programa
Lend-Lease os ingleses deveriam saldar apenas 650 milhões. Mas a
ajuda veio atrelada a um excessivo — e, do ponto de vista inglês,
altamente injusto — preço: o endosso inglês a um plano de 1944,
formatado em Bretton Woods, New Hampshire, que criava uma nova ordem
econômica internacional, tornaria o dólar a moeda-referência do
mundo, eliminaria o sistema de preferência imperial britânico e, de
forma geral, beneficiaria substancialmente o comércio dos Estados
Unidos. (pg. 269)
A última parcela do
pagamento desse empréstimo foi quitada pela Inglaterra ao final de
2006.
Continua...