Não
entendo nada de Barbie, mas entendo perfeitamente o apelo saudosista
que ela deve ter sobre as mulheres de diversas faixas etárias que
brincaram com a boneca, origem das imensas filas que se formam nos
cinemas, com meninas (de todas as idades) vestidas de rosa.
É
o mesmo que mobiliza os homens para filmes como “Os Mercenários”
de Stallone, Indiana Jones, Top Gun, etc.
O
que me chamou a atenção para o filme, foi ver a reação de
pseudoconservadores e pseudomoralistas que, na falta do que fazer em
suas vidas medíocres, se levantaram das pantufas para bradar contra
o filme, por ele não representar seus valores.
Por
isso pensei em assistir o filme e escrever sobre ele. Mas eu jamais
poderia ter uma compreensão completa dele, primeiro por não ser
mulher e, em segundo lugar, por jamais ter brincado com a boneca e,
somando os dois, por não ter a experiência de ter sido de alguma
maneira influenciado por esse ícone dos brinquedos femininos. Assim,
selecionei os escritos de duas mulheres das mais capacitadas e
apresento abaixo. As imagens são adição nossa. Boa leitura e reflexão.
Marcello
Eduardo.
APESAR
DE EU AMAR COR DE ROSA
Maira
Magno – Professora de Artes
Publicado
no Facebook
Apesar de eu amar cor de rosa e
praticamente tudo do estereótipo feminino, inicialmente não me
interessei pelo filme, depois foram aparecendo as críticas, primeiro
as dos fundamentalistas, depois as dos críticos sérios de cinema, e
por último as da nova esquerda midiática. Tirando os especialistas
sério em cinema, todos criticavam duramente o filme, por isso fui
ver.
Como qualquer obra com múltiplas
camadas é praticamente impossível dissertar sobre ela e abarcar
tudo o que a obra representa, especialmente por se tratar de cinema
de referência, onde sem alguns conhecimentos prévios fica realmente
difícil fluir a obra em sua inteireza.
Para iniciar temos que falar um
pouco da boneca em si, seu histórico e o que ela representa
simbolicamente. O auge da Barbie foi no fim dos anos 70 e toda a
década de 80 e grande parte dos anos 90.
Na minha infância uma menina não
ter uma Barbie era quase impensável, ela era o modelo em plástico
da Xuxa, Madonna, Sereia Splash e qualquer outro ícone feminino da
década. Trazia um quê de Marilyn Monroe e o glamour dos anos 50,
mas já não era mais a dona de casa de era do well fair state,
estava no mercado de trabalho ocupando várias posições, sempre
linda, magra, peituda e plástica, bem ao estilo das divas da época.
Nos seus 25 anos de reinado ela
literalmente definiu o que é feminilidade para a minha geração. Se
na geração dos meus pais o estereótipo de feminino era a Penélope
Charmosa, se na geração anterior era a Betty Boop, na minha era a
Barbie.
Tudo o que é estereotípico do
feminino é Barbie, Barbie Fascista, Barbie Fitness, eu mesma me
chamo de Barbie Revolução.
Barbie é o feminino inegável, o
universo radicalmente oposto ao masculino. Desta dominação do
mercado surgiram milhares de outras bonecas na mesma estética, todas
chamadas genericamente de Barbie, ou seja, mesmo que não seja a
original da Mattel, é praticamente impossível que uma criança
ocidental nascida dos anos 80 para cá nunca tenha brincado com uma
Barbie. Barbie é no mais profundo sentido da palavra, um ícone.
Mas quem é a menina do século XXI?
Quais são as questões que essa geração está lidando? Se nos anos
80 as filhas da geração dona de casa sonhavam em desbravar o
mercado de trabalho, porém mantendo o glamour, o que as meninas
filhas das mãe que brincaram de Barbie nos anos 80 esperam superar
em relação às suas genitoras?
Como diria senhora Bia, para os
olhos desatentos parece que é disso que se trata o filme e é isso
que enfurece tanto os conservadores. Mas não, o filme é sobre outra
coisa.
O filme é uma obra-prima sobre o
conceito de ideologia em Marx, (não, eu não estou delirando). Não
importa o quanto a cultura mude, não importa o quanto os movimentos
de contracultura ganhem visibilidade, superar o capitalismo é
impensável.
Depois de todas as suas piruetas
sarcásticas e críticas escrachadas à sociedade patriarcal, a
Barbie é ETERNA, não importa se, como se mostra no filme, agora a
Barbie vem com celulite, usa chinelo, está esgotada, toma medicação
psiquiátrica, atingiu os mais altos cargos no mercado de trabalho,
você (mulher, ser humano neste planeta) é um consumidor destituído
de qualquer consciência sobre quem de fato “brinca” com o seu
desejo (essa inclusive é uma metáfora bem poderosa no filme, as
mãos que brincam com a Barbie, definem os novos modelos da boneca
lançados no mercado) desde que ele vire consumo, está tudo bem!
Pode ser feminista, pode ser
presidente, pode ser cadeirante, gorda, mãe esgotada, pode berrar
por mais direitos, pode escancarar todas as injustiças da sociedade
patriarcal que, no fim, o capital te apresentará uma solução em
plástico dentro de uma caixa rosa e desde que você compre, está
tudo bem!
Falando um pouco sobre o aspecto estético do filme ele
é um verdadeiro Monty Python do século XXI, mas é uma
esculhambação, um sarcasmo, um deboche num nível que chega quase a
ser imoral para o modelo açucarado de Hollywood.
Visualmente o filme faz milhares de
referências à cultura POP dos anos 80 e de fato o filme é para
pessoas da minha geração e da geração imediatamente posterior,
gente na faixa dos 30 a 50 anos, que consegue sacar se não todas,
mas muitas das referências estéticas do filme. E são muitas,
camadas e camadas e camadas e piadas internas, se sobrepondo às
piadas quase pornograficamente explícitas dos diálogos.
No fim, os olhos desatentos saem do
filme pensando, WHO RUN THE WORLD? GIRLS!!! Como diria talvez o maior
ícone de feminilidade deste século. Mas, para os olhos atentos, o
filme é claro quando diz: “Meu amor, quer dar chilique? Nós vamos
fazer a Barbie chiliquinha pra você brincar!”
Vocês podem estar no mercado de
trabalho, na política, podem até ter imperfeições físicas,
aceitá-las e viver bem com elas, mas, como a Barbie, vocês são só
brinquedos e as mãos que os manipulam, não são as suas.
ADENDO: uma das minhas piadas
favoritas do filme é que as mãos que brincam com a Barbie principal
do filme, são as de Betty, a Feia.
A
ATRAÇÃO ERA A BARBIE, O FILME, MAS O SHOW ESTAVA NA PLATEIA
Denise
Assis – Jornalista
Publicado
no site Brasil247 AQUI.
Fui ver Barbie, o filme. Sim,
repito: fui ver Barbie, e numa sessão da tarde, com uma plateia
repleta de meninas na faixa de 10 a 17 anos, de trajes rosa, ou
adereços no tom do tema. Nem que fosse uma bolsa, um laço, um
sapato. Pensei: deu ruim. Vai ser um tal de tagarelar, comer pipoca
de maneira ruidosa e acender os celulares na minha cara – nada mais
irritante no cinema. E muitos adultos o fazem. Mesmo em filmes de
arte.
O enredo todos já sabem. Uma boneca
Barbie se pega tendo defeitos imperdoáveis, tais como celulite e pés
sem a curva do salto alto, chapados no chão, aquele mesmo que a
Barbie nunca pisou, pois sempre esteve metida num scarpin. Na luta
por voltar ao padrão, ela descobre que ser de carne e osso era tudo
o que buscava. Ainda que com a problemática feminina na cartela. O
que não é pouco.
No escurinho do cinema, eu era uma
das poucas que podia dizer que vi pela TV as cenas da Betty Friedan a
queimar sutiãs pelas ruas de Nova Iorque, li “O Relatório Hite”
- profunda pesquisa sobre a sexualidade feminina lançada em 1976 –,
vi a chegada da pílula e enfrentei em conflitos com os pais na hora
de sair de casa e me fazer independente. As mulheres adultas no
cinema estavam acompanhadas (de suas filhas? Sobrinhas? Netas?)
pré-adolescentes. Assim, com o sentimento de uma “dinossaura” na
Disneylândia, tinha um olho na tela outro na plateia.
Grata surpresa! Elas entenderam
tudo!
Foi com um sentimento difuso entre
emoção (ou seria de satisfação, por ver nosso esforço
recompensado?) que eu as vi vibrando no momento certo, pela “virada
da Barbie”. Aplaudiram os discursos potentes da “boneca”, para
convencer as demais a aderirem à mudança, e as vi rindo da
fragilidade do Ken, dividido entre ser o macho Alfa e encarar a
humanização com a mesma coragem e vontade de Barbie.
E, pasmem, como é típico nesta
fase – a adolescência -, quando a luz da tela batia mais forte,
pude perceber vários rostinhos banhados em lágrimas nas falas mais
enfáticas a favor dos direitos femininos. (Vamos respeitar! Elas
estão amadurecendo).
No final, não foram poucas as mães
que tiveram de esperar as suas meninas se recomporem para sair, pois
haviam se emocionado, de fato.
Naquele universo, entre o rosa bebê
e o pink, fiquei me lembrando dos dados do relatório do Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na véspera, que atestou
o crescimento de todos os tipos de violência contra crianças e
adolescentes, em 2022 (ano ainda sob a batuta do inominável).
Cresceram o número de casos de
abandono, maus tratos, lesão corporal e de crimes sexuais, apontava
o estudo, que demonstrou também que os registros de crimes contra
crianças e adolescentes já superam os números de antes da pandemia
de Covid-19. Ao todo são mais de 102 mil menores de idade vítimas
de violência no país e os especialistas destacaram que os números
oficiais estão longe de representar o total, já que há grande
subnotificação desse tipo de crime.
Fiquei pensando quantas já
encontraram ou encontrariam o seu “predador” dentro de casa,
entre os familiares, os maiores perpetradores desse tipo de crime?
Vocês reagirão: elas não. São de classe média (garotas de
família!). Pois eu lhes respondo que se existe algo perversamente
“democrático” no país, é o estupro. Estão aí, nas páginas,
as ex-mulheres de embaixador, de políticos com nomes de destaque do
Congresso e muitas endinheiradas, que a gente nem imagina, passam por
isso, pois preferem se calar, a denunciar e se verem enredadas em um
escândalo.
Segundo o anuário, o estupro é o
tipo de crime com o maior número de registros contra menores de 18
anos no Brasil e teve um aumento de 15,3% no ano anterior - passando
de 45.076, em 2021, para 51.971. Atinge a todas as camadas sociais.
Das classes mais altas, como já citado, às garotas de periferia,
obrigadas a dormirem em casa de cômodos exíguos, às vezes até sem
divisão de quartos.
O que a sessão da Barbie me deixou,
foi com a sensação de que ali estava um exército de meninas
conscientes, fortes e dispostas a lutar pela liberdade de escolha e
por seus destinos. Há esperança!
Quanto ao filme, mostra uma Margot
Robbie perfeita para o papel, e tem seu ponto alto no balé dos
homens fragilizados, em que o ator Ryan Goslin dá um show de graça
e talento. Gostei do que vi na tela – apesar de altamente
previsível – e na plateia. Valeu o ingresso.
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