Moscou - Praça Vermelha. |
Neste texto fazemos um microscópico resumo do que foi a maior batalha da história, com base na obra “A Batalha de Moscou” de Andrew Nagorski, tradução de Paulo Castanheira, Editora Contexto.
Segundo
Nagorski, esta foi a maior de todas as batalhas porque envolveu, no
período oficial de “30 de setembro de 1941 até 20 de abril de
1942”, cerca de 7 milhões de soldados com quase 1,9 milhões
de perdas soviéticas e mais de 600 mil alemães, entre mortos e
feridos. Comparando com outras batalhas épicas, tais como
Stalingrado, Gallipoli, Somme ou El Alamein, nenhuma delas, segundo o
autor, sequer chega perto da disputa pela capital da URSS. Todas as
informações que se seguem são originárias da obra em questão. As
imagens de época são de vários sites e estão em domínio público
e as atuais são do Google Street View.
Em
22 de junho de 1941 a Wehrmacht, com mais de 3 milhões de homens,
mais de 3500 tanques, mais de 2700 aviões e cerca de 600 mil
cavalos, iniciou a invasão da URSS, na maior operação guerreira
invasiva da História da humanidade.
Os
destinos dos 3 grupos de exércitos eram as cidades de Leningrado,
Kiev e a jóia da coroa comunista, Moscou, centro político,
industrial e de transportes do colosso soviético.
As três frentes de avanço das forças alemãs. |
O
grupo mais poderoso das forças de Hitler, justamente aquele
destinado a tomar Moscou, atravessou o Rio Bug, na Polônia, em uma
tempestade de fogo e aço que varreu as despreparadas e quase
acéfalas forças de defesa do Exército Vermelho.
Rio Bug - Polônia. |
Ignorando
todos os avisos de que uma invasão alemã era iminente, Stalin
chegou ao cúmulo de ordenar que suas forças não revidassem a um
eventual ataque alemão, até certificar-se da motivação. Foi um
passeio para as forças do III Reich! A maioria dos aviões da força
aérea soviética foi abatida ainda no solo.
Minsk nos dias atuais. |
Prisioneiros soviéticos em Minsk. |
Aos
poucos as cidades mais importantes foram caindo uma a uma, primeiro
Minsk, depois Smolensk e logo a Wehrmacht estava a menos de 400 km de
Moscou.
Smolensk nos dias atuais. |
As Panzer-Gruppen de Heinz Guderian em Smolensk. |
Defesas soviéticas em Smolensk. |
Depois
do choque inicial, Stalin passou a ação. Falou ao povo convocando
todos à luta e à política de terra arrasada, manifestou sua fé na
vitória e, ao mesmo tempo, mandou transferir, em absoluto segredo, o
corpo de Lênin para a pequena cidade de Tyumen, mais de 1500 km
distante de Moscou.
Tyumen nos dias atuais. |
Mas
os expurgos que ele mesmo levara a cabo anos antes, e que afastaram
mais de 40 mil militares das forças armadas, a maioria mortos após
julgamentos de fachada, deixaram as tropas sem comandantes
experientes na maioria dos postos, agora ocupados por jovens
recém-saídos das academias ou por devotados partidários sem
nenhuma aptidão para a guerra.
As
derrotas, portanto, sucediam-se e as rendições em massa somavam-se
à calorosa receptividade inicial do povo para com os soldados
alemães, que eram vistos, por conta da propaganda nazista, como
libertadores do reinado de terror imposto por Stalin.
Diante
desse quadro o tirano soviético reagiu adotando medidas que já
experimentara: mais terror! Grupos de 10 soldados recebiam apenas uma
arma, mas deviam lançar-se ao ataque mesmo assim e não podiam
recuar, pois atrás deles havia os pelotões de caçadores de
derrotistas e covardes, encarregados de fuzilar quem recuasse.
Qualquer um que fosse considerado derrotista seria fuzilado, assim
como suas famílias. O soldado que fosse feito prisioneiro e
conseguisse escapar seria fuzilado ao retornar.
Hitler
também deu sua inestimável contribuição para elevar o moral das
tropas soviéticas. Ao contrário das promessas de propaganda,
instalou nas regiões já ocupadas um regime de terror igual ou pior
do que o de Stalin, caçando os judeus e escravizando brutalmente a
população. Já no planejamento a ação na URSS previa a morte de
milhões de pessoas pela falta de víveres que seriam desviados do
povo para a manutenção das tropas invasoras. Além disso as cidades
de Leningrado e Moscou deveriam ser literalmente riscadas do mapa. A
notícia dos fuzilamentos em massa de soldados que se rendiam logo se
espalhou pela frente de combate, assim como a prática de fuzilar
mais de 50 pessoas por cada alemão morto pela resistência.
Entre
esses dois terrores, a resistência soviética foi crescendo na
medida em que diminuia a velocidade do avanço alemão.
A
Wehrmacht avançava mais lentamente que o previsto. A resistência
soviética aumentava muito além do previsto. Apesar de tudo, em
meados de Julho, após a tomada de Smolensk, o Grupo de Exércitos do
Centro, comandados por Fedor von Bock, estava pronto para iniciar o
avanço final rumo a Moscou, se recebesse os reforços que deveriam
vir do Norte e do Sul, concentrando forças para derrubar a cabeça
da URSS.
Mas
então Hitler deu uma força para seu colega ditador Stalin: exitou
por cerca de 3 semanas expedindo diretivas para consolidar as
operações em Leningrado, em Kiev e no Cáucaso. As ordens para Bock
eram de assumir posição de defesa!
Apenas
em setembro veio a ordem do avanço a Moscou. E mais uma vez os
soviéticos levaram uma desvantagem terrível. Em Vyasma as forças
vermelhas foram cercadas e aniquiladas em quase 100%. No início de
outubro tanques alemães já estavam a cerca de 150km de Moscou. Mas,
também nesta época caiu a primeira neve e na metade do mês as
chuvas já ameaçavam o avanço alemão. Além disso, dois novos
generais estavam para entrar em ação: Zhukov e o Inverno.
Kiev - Capital da Ucrânia - bombardeada. |
Vyasma sob a invasão nazista. |
Vyasma nos dias atuais. |
O
General Soviético Georgy Zhukov, responsável pela resistência de
Leningrado, fora nomeado por Stalin para a defesa da capital e tentou,
com apenas 90 mil homens, atrasar o máximo possível o avanço
alemão até Moscou. O objetivo era ganhar tempo para fortalecer as
defesas da cidade, obras para as quais todos os cidadãos foram
convocados.
Mas
em 16 de outubro, apesar de todo o preparo, da chuva e da neve que
chegaram, a aproximação dos alemães fez com que Moscou sucumbisse
ao pânico. Setores inteiros do governo, o corpo diplomático,
fábricas inteiras eram evacuados e o que não podia ser transportado
foi minado de explosivos.
Os
serviços públicos deixaram de funcionar e a ausência da polícia
representava o fim da ordem e a chegada do caos e da lei do mais
forte. Os saques se espalharam das lojas de alimentos para todas as
outras e, depois, para as residências abandonadas.
Nas
estações ferroviárias lotadas a maioria dos que conseguiam
embarcar deixavam quase todos os pertences para trás e quem tinha
carro era, muitas vezes, arrancado de seus volantes, espancado e
abandonado à própria sorte.
Por
outro lado, também havia muitos que se juntavam às forças de
defesa para lutar contra os alemães em proteção ao pais.
Stalin,
após dias de exitação, decidiu permanecer em Moscou. Ele reassumiu
as rédeas do governo da forma como sabia fazer melhor: instalou mais
terror decretando a Lei Marcial em 19 de outubro. E logo o caos
amainou e os saques pararam. E a construção das defesas da cidade
se acelerou pois “...equipes de mulheres, ao lado de rapazes
jovens demais para servir, construíam enormes redes de trincheiras,
armadilhas antitanque e barreiras feitas de árvores derrubadas,
entrelaçadas por arame farpado que, consideradas em conjunto,
estendiam-se por milhares de quilômetros nas estradas que levavam à
cidade.” (pg. 154).
Vítimas do terror de Stalin. |
Mulheres de Moscou trabalhando nas defesas da cidade. |
Ao
mesmo tempo os soviéticos se prepararam para a eventual perda da
capital. A maior parte dos edifícios mais importantes, inclusive o
Teatro Bolshoi, foi preparada para demolição com explosivos quando
os alemães estivessem instalados e agentes da NKVD (que depois viria
a ser a KGB) receberam a missão de sabotar o inimigo e matar
nazistas sempre que possível.
As
defesas anti-aéreas da cidade eram fabulosas e causaram pesados
danos aos alemães chegando a uma taxa estratosférica de 50% de
abatimentos em um relato. Entre Dezembro/41 e Janeiro/42, 250 mil
soldados foram deslocados da Sibéria (onde aguardavam um eventual
ataque japonês que, descobriu-se pela espionagem, não viria), para
defender a capital.
Mas
o que elevou mesmo o moral das tropas vermelhas foi a parada de 07 de
Novembro de 1941, 24º aniversário da Revolução Russa.
07/11/1941 - As tropas soviéticas desfilam na Praça Vermelha, diante do "Camarada" Stalin. |
Sob nevasca
os soldados desfilaram na Praça Vermelha e os boatos sobre a fuga de
Stalin chegaram ao fim, pois os soldados viram que o líder estava
ali e marchavam diante dele. A notícia logo espalhou-se pelas
frentes de combate, reavivando os ânimos.
A
parada de 07 de Novembro de 1941, 24º aniversário da Revolução
Russa, elevou muito o moral do Exército Vermelho. Mas nos parece que
era mesmo o medo do terror stalinista o maior incentivador do soldado
soviético.
Só
isso explicaria o relato que Andrew Nagorski apresenta em sua obra,
coletado de um soldado alemão sobrevivente, sobre um avanço
soviético em ondas de soldados: “A 600 metros abrimos fogo e
seções inteiras da primeira onda simplesmente desapareceram,
deixando aqui e ali alguns sobreviventes caminhando resolutamente
para frente. Era estranho, inacreditável, desumano.” (pg. 183)
Mas,
o avanço alemão ainda tinha de enfrentar a lama que quase paralisou
o avanço e dificultou o reabastecimento. Quando a lama endureceu com
o frio, permitindo movimento mais rápido, os soldados passaram a
sofrer com o frio que chegava a congelar o lubrificante dos veículos.
Rasputitsia - A incontornável lama russa. |
O frio foi tão intenso que os alemães passaram a se vestir até
mesmo com roupas de mulher por sobre as fardas para se aquecer e
chegavam a ter estalactites de gelo formados no rosto.
Soldados alemães semi-congelados no inverno russo. |
Soldados alemães combatendo no inverno russo. |
O filho de Stalin, prisioneiro dos alemães. |
Muitos
morreram congelados, como se lê no relato do veterano russo Albert
Tsessarsky sobre o que viu nas margens do Rio Moscou, em Mozhaisk, e
que Nagorski apresenta: “Um alemão morto usava um sutiã
enrolado na cabeça, evidentemente para tentar proteger as orelhas do
congelamento. Os outros estavam enrolados em tudo que encontraram
para lutar contra o frio, e só usavam botas leves de couro.”
(pg. 202)
As tropas siberianas que mudaram o curso da guerra marchando rumo ao combate. |
Some-se
isso
tudo com a chegada dos tanques T-34 russos, bem superiores aos
Panzer, a chegada das tropas siberianas, bem mais resistentes ao
inverno, e entende-se como o pânico mudou de lado. A tomada de Moscou
pelos alemães estava afastada, o recuo tornou-se inevitável e logo
já estava entre 70 e 100km.
Rio Moscou - Mozhaisk - região de combates conhecida como "Vale da Morte". |
Khimki - Periferia de Moscou - região mais perto da capital soviética na qual os alemães chegaram. |
Em
nossa opinião, o que se viu na Batalha de Moscou foi um confronto de
ideologias mas, acima de tudo, um confronto entre dois sistemas de
terror que se auto-alimentaram. Ao final, triunfou aquele que teve
mais carne para enviar ao moedor.
Apesar
de todo o atraso na invasão alemã e no avanço final a Moscou,
causado por Hitler, do General Inverno e da capacidade militar do
General Zhukov em organizar as defesas da capital soviética, foi o
terror alemão que levou a população, inicialmente receptiva à
invasão, a voltar a apoiar a URSS. E foi o terror stalinista que
impulsionou soldados desarmados a lançarem-se ao ataque contra
tanques e metralhadoras e a preferirem a morte ao recuo.
Dois
monstros equivalentes se enfrentaram diante de Moscou. Infelizmente,
apenas um deles foi derrotado.
FIM...
A infame Diretiva 21 -as ordens de Hitler para invasão da URSS. |
1Todas
as informações desta série são baseadas na obra “A Batalha de
Moscou” de Andrew Nagorski, tradução de Paulo Castanheira,
Editora Contexto.
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