CHURCHIL
X
ROOSEVELT1
A
grande maioria dos livros didáticos de História abordam a II Guerra Mundial,
assim como toda a História, de forma tão superficial que poderíamos dizer
“passageira”. Explica seus motivos, suas fases, desfecho e consequências. Seria
difícil fazer diferente, de modo que não é exatamente uma crítica.
A
maior parte dos estudiosos que se debruçaram sobre o tema de forma aprofundada,
ficam restritos à vasta documentação pública, civil e militar, e gravitando em
torno dos grandes nomes: Hitler, Mussolini, Tojo, Stalin, De Gaulle, Roosevelt
e Churchill. Certamente não há como fugir destes, pois seus feitos gigantescos
fizeram com que figurassem no panteão da História, para o bem ou para o mal.
Mas não raras vezes há um quê maniqueísta.
Daí a
importância que dedicamos a esta obra de Lynne Olson, “Churchill e Três
Americanos em Londres”. Os gigantes estão lá presentes, um deles no título,
pois do contrário não passaria nem pelos editores, mas o foco não é Churchill,
e sim os três americanos, e vários outros ao seu redor, que passam quase
inominados pelos livros, mas que foram fundamentais na História.
O
mais surpreendente, porém, é que ao focar personagens secundários, Lynne Olson
desnuda os gigantes de uma forma tão impressionante que os arrasta ao nível do
ser humano comum. Vejamos se o leitor concorda com essa visão...
Quem
lê a maioria dos livros sobre o período forma a imagem de que os EUA demoraram
a entrar na guerra, mas, enquanto isso, ajudaram a Inglaterra de todas as
formas que poderiam, menos nos combates. E que, após Pearl Harbour, os EUA
entraram de cabeça, aliaram-se aos ingleses em uma amizade que os levou até a
Alemanha. Sim, em resumo de linhas bem gerais, foi isso mesmo. Mas a realidade
que Lynne Olson nos revela é bem mais complexa.
Roosevelt pede no Congresso a aprovação da Declaração de Guerra contra o Eixo. |
De
início, os dois povos só tinham em comum a língua inglesa, mas nenhuma
compreensão cultural mútua, pelo contrário, nutriam preconceitos e cultivavam
estereótipos arraigados entre si.
...seus líderes políticos e militares, de Churchill e
Roosevelt para baixo, tinham pouquíssimo entendimento e conhecimento uns dos
outros. Ignorantes a respeito da história e da cultura do futuro parceiro, os
dois aliados tendiam a pensar em estereótipos quanto aos seus primos de
além-mar, com escassa avaliação de suas respectivas dificuldades políticas e
militares. Suspeitas, tensões, preconceitos e rivalidades ameaçaram descarrilar
a nova e singular confederação antes mesmo que ela se firmasse. E os problemas
foram exacerbados pela atitude condescendente inglesa em relação aos americanos
e pelo ressentimento dos EUA com a Inglaterra.(pg. 15)
Diante
do colapso que se aproximava, toda a comunicação, gestos e oratória de
Churchill em direção aos EUA era um incessante cortejar ao Presidente
Roosevelt. Este, em seus discursos, prometia tudo, menos entrar na guerra.
Falava em urgência, mas a prática ficava distante disso. Surpreendente, porém,
é perceber que os EUA “ajudaram” Hitler na tarefa de sangrar a Inglaterra ainda
mais.
Em
troca de cinquenta contratorpedeiros americanos bastante velhos, cedidos no
verão de 1940, o governo Roosevelt exigiu que lhe fosse concedido o
arrendamento por noventa e nove anos de bases militares na Terra Nova, nas
Bermudas e em seis possessões inglesas no Caribe. A negociação, como todos
sabiam, era bem mais vantajosa para os Estados Unidos do que para a Inglaterra,
e o governo britânico ficou profundamente ressentido. Apesar disso, não teve
alternativa e aceitou aquilo que considerou termos grosseiramente
injustos.
[...]
Os
ingleses sentiram-se ainda mais lesados quando os contratorpedeiros da Primeira
Guerra Mundial chegaram. Dilapidados e obsoletos, eles não podiam ser
empregados sem extensas e custosas reparações.
Quando
a lei que proibia a exportação para nações em guerra foi modificada para
autorizar a venda à Inglaterra, foi exigido pagamento à vista, em dólares,
ficando o transporte por conta do comprador! O ouro inglês praticamente acabou,
foi pedido empréstimo à Bélgica e a situação ficou tão crítica que “...o
ministro das Finanças sugeriu ao Gabinete que considerasse a requisição de
anéis de casamentos e outras joias daquele metal precioso da população inglesa.”
O
primeiro encontro de Roosevelt com Churchill ocorreu em 29/07/1918, ao final da
Primeira Guerra Mundial, quando Roosevelt tinha 36 anos e Churchill 43. O
americano guardou profundas recordações daquele dia. O inglês nenhuma.
Roosevelt sentiu-se esnobado e Lynne Olson sugere que guardou ressentimentos
por mais de 20 anos!
FDR ainda não tinha engolido o que considerava uma
descortesia de Churchill. “Sempre desgostei dele, desde o tempo em que fui à
Inglaterra em 1918,” disse o Presidente a Joseph Kennedy, em 1939. “Ele agiu
como um pedante no jantar a que compareci, comportando-se como um lord, acima
de todos nós.” (pg. 22)
Acima, Roosevelt assina a Lend-Lease. Abaixo, Churchill faz o mesmo. |
Quando
o programa Lend-Lease foi anunciado, Churchill percebeu que a Inglaterra seria
ainda mais sangrada. E tornou-se realmente constrangedora a situação,
considerando a importância que Roosevelt deu inicialmente ao programa, quando
nomeou Averell Harriman para fazê-lo funcionar:
“Senhor
Presidente,” indagou um dos jornalistas, “qual a relação de Mr Harriman com a
embaixada de lá? Ele representará diretamente o senhor?” Com um pigarro,
Roosevelt replicou: “Não sei e não dou a mínima!” Quando outro repórter
perguntou a quem Harriman se reportaria em Washington, o Presidente retrucou:
“Não sei e não me interessa isso.” (pg. 55)
No
decorrer da guerra, enquanto comandantes americanos e ingleses se digladiavam
em teorias e planejamentos, cada um deles querendo para si e aos seus as
glórias militares, sempre contidos pela determinação de Eisenhower em fazer as
relações aliadas funcionarem, Roosevelt começava a impor cada vez mais seus
pontos de vista e interesses, dando demonstrações de que considerava a
Inglaterra como parte menos importante da aliança:
Quando
a Inglaterra se opôs a uma proposta de se conceder acesso às companhias aéreas
dos EUA a todas as rotas aéreas do mundo, Roosevelt enviou um telegrama a
Winant, em novembro de 1944,
a ser repassado a Churchill, dando a entender que os
Estados Unidos poderiam interromper o auxílio do Lend-Lease caso os ingleses
não aprovassem o plano. A mensagem era, na opinião de John Colville, “chantagem
pura.” (pg. 253)
E,
quando reunidos em Yalta, Roosevelt e Stalin pareceram formar aliança contra
todos os pontos de vista de Churchill, chegando mesmo à descortesia pura e
simples com o idoso Primeiro Ministro inglês:
Numa
das sessões plenárias, Roosevelt e Stalin começaram a confabular antes da
chegada de Churchill. Informado por um auxiliar que o primeiro-ministro
aguardava do lado de fora, a resposta de FDR foi abrupta: “Ele que espere.”(pg.
256)
Acima a Conferência de Teerã e abaixo a Conferência de Yalta. |
A
postura de Roosevelt permitiu que Stalin tivesse terreno livre para avançar
sobre a Polônia e saísse do conflito como a segunda maior potência militar do
planeta. Churchill anteviu todos esses riscos, assim como Averell Harriman,
agora embaixador americano em Moscou, e Gilbert Winant, embaixador em Londres. E todos os
alertas não foram suficientes para que Roosevelt agisse com mais dureza nas
negociações com Stalin:
Roosevelt,
dando toda a impressão de que não se preocupava em deixar a União Soviética
como potência militar e política dominante no continente europeu, ainda piorou
as coisas, na opinião de Churchill, ao dizer a Stalin em Yalta que planejava
retirar as tropas americanas da Europa, inclusive da Alemanha, em dois anos.
(pg. 256)
Churchill e a Família Real. |
Churchill,
por seu turno, lutava contra os planos de dominação nazista na Europa, mas não
queria sequer discutir a perda de partes do Império Britânico, pois segundo ele
“não se tornara primeiro-ministro do Rei para presidir à liquidação do
Império Britânico.” (pg. 221). Era contra o aumento de autonomia da Índia e
resistiu a todas as tentativas de cessão de territórios ou de monopólios
comerciais que mantinha com as demais regiões do império, no que era arduamente
combatido por Roosevelt:
“Temos
de deixar patente aos ingleses, desde o início, que não seremos simplesmente o
amigão que pode ser usado para tirar o Império Britânico de um aperto. (...)
Creio que falo como presidente dos Estados Unidos quando digo que nosso país
não ajudará a Inglaterra nessa guerra só para que ela continue capaz de tratar
com desprezo povos coloniais.” (pg. 221)
O
leitor deve estar atento ao fato de que os EUA queriam, eles mesmos, adentrar
estes mercados. Quando políticos e militares americanos falam em liberdade, não
é exatamente às pessoas comuns que se referem, mas, prioritariamente, aos
negócios.
Por
fim, o suposto e bem provável conhecimento de Churchill sobre o caso
extra-conjugal de sua nora Pamela com Averell Harriman e depois com Edward
Murrow, e de sua filha Sarah com o já casado Gilbert Winant, sem que se
apresente um único registro de reprovação, não falam exatamente bem de um
rematado conservador inglês, pelo que se depreende do relato de Lynne Olson.
Quando
Randolph Churchill voltou à Inglaterra de licença e descobriu o caso, explodiu
de raiva. Sua ira não derivava tanto do ciúme, disseram alguns amigos, mas de
um sentimento de que havia sido traído por Harriman, com o qual criara até
certa amizade quando, a pedido de seu pai, o acompanhara na missão no Cairo.
Amargo, Randolph acusou os pais de cumplicidade com o adultério “debaixo do
próprio teto deles,” em Chequers, e de só o fazerem por causa da importância de
Harriman e dos americanos para a Inglaterra. (pg.181)
Averell Harriman - Gilbert Winant - Edward
Murrow
|
Pamela Churchill -
|
A
deliciosa obra de Lynne Olson nos transporta aos bastidores aliados da II
Guerra Mundial e o que “vemos e ouvimos” por trás das portas é surpreendente e,
por vezes, chocante.
Hitler
previra que a aliança entre americanos, ingleses e soviéticos desmoronaria por
conta das diferenças intransponíveis entre eles. Constatar que ele quase
acertou é assombroso. Perceber os comportamentos indefensáveis de nomes
gigantes como Roosevelt e Churchill, Montgomery e Patton, que ressaltam a
importância de nomes bem menos conhecidos como Harriman, Murrow e Winant, é
algo que não se espera, embora não seja aceitável deixar de conceder humanidade
(virtudes e defeitos) a esses homens que escreveram a História.
Bem pensado,
contudo, essas imperfeições humanas fazem com que os papéis desempenhados por
Roosevelt e Churchill sejam, a despeito de tudo, talvez até maiores. A
conclusão é que, se mesmo com todos esses defeitos, realizaram tais feitos
extraordinários, bem fizeram por merecer o título de Gigantes da História.
1Este artigo tem como fonte a obra de
Lynne Olson, “Churchill e Três Americanos em Londres”, da Globo Livros (SP,
2013), Tradução de Joubert de Oliveira Brízida.
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Imagens
http://scrippsmediaethics.blogspot.com.br/2013/11/the-ethical-eye-of-edward-merrow.html
Winston
Churchill, W. Averell Harriman, Joseph Stalin, and Vyacheslav Molotov at Fourth
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http://ww2db.com/image.php?image_id=15578
In The
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Westminster Pier in 1942 with American politicians Harry Hopkins, John Winant
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http://www.express.co.uk/news/uk/437795/Winston-Churchill-s-specially-trained-resistance-fighters-were-prepared-for-Nazi-invasion
https://fdrlibrary.wordpress.com/tag/winston-churchill/
http://dingeengoete.blogspot.com.br/2012/07/this-day-in-history-jul-26-1945-winston_2785.html
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