Eis
que, contra minhas expectativas, volto a escrever sobre um filme pouco tempo
depois de IT – Parte II.
Mas
era inevitável, considerando nosso critério de só escrever sobre filmes
realmente marcantes. E Coringa é um filme absolutamente marcante, chocante,
triste, que obriga a reflexão.
Coringa
é um filme de origem que não traz novidade neste aspecto, trata-se de um
comediante fracassado, tema que já tinha sido levantado em A Piada Mortal, uma
das melhores revistas em quadrinhos de todos os tempos.
A
relação criada com a origem do Batman é uma novidade, embora já tenha sido
feito algo semelhante no primeiro filme do Homem Morcego com Michael Keaton, de
1989.
Coringa
inova ao ser uma crítica à sociedade de consumo e do individualismo, que torna
o outro invisível, enquanto não está dentro do círculo de interesses dos que o
cercam.
Ninguém
está lá, nunca, quando Arthur mais precisa, ninguém liga, ninguém oferece a
mão, ninguém parece estar minimamente preocupado. E este é, assustadoramente,
um retrato fiel do mundo em que vivemos, inclusive no Brasil.
Mas
esqueça tudo isso, pois tudo isso é absolutamente ofuscado pela atuação
indescritível de Joachim Phoenix. Não me lembro de ter visto nada mais soberbo.
A
angústia e o sofrimento do personagem escorrem pela tela e nos pegam pelo
pescoço, aperta, sufoca. O abismo da solidão de Arthur, o protótipo pronto e
acabado do Looser (perdedor) como os estadunidenses concebem, é palpável em
cada respiração, cada gesto e cada olhar de Phoenix.
O
ator merece o Oscar e todos os demais prêmios de interpretação existentes em
cada segundo de atuação. Como pode uma gargalhada transmitir sofrimento?
É simplesmente de partir o coração.
E
a sua transformação? É uma libertação das amarras sociais, dos sistemas de
pesos e contrapesos, representados pelas convenções sociais e pela lei, que é
também o mergulho na psicopatia. Ele fez sua escolha. E obviamente escolheu
errado.
Este
momento é como se ele simplesmente desistisse de nadar e afundasse, mas não
parasse de respirar. Ele se descobre um peixe, um tubarão com todas as demais
pessoas sendo reveladas como presas potenciais.
Mas
se nada disso tivesse ocorrido, ele ainda mereceria o Oscar e demais prêmios
apenas pelo olhar que dirige para o personagem de Robert De Niro, pois ali não
vemos mais Arthur. A nosso ver, ali já está o Coringa, plenamente estabelecido
e dominante naquela personalidade perturbada.
E
é ali que, também a nosso ver, o Coringa de Phoenix se encontra com o Coringa
de Heath Ledger. Não é só na caracterização física, bastante semelhante, mas
nas concepções de mundo.
Em
outras palavras, podemos ver que o Coringa de Phoenix vai ser o Coringa de
Ledger no futuro, após anos de crimes, quando, então, vai conhecer e se
defrontar com seu histórico inimigo, o Batman, então um homem adulto.
Joachim
Phoenix estabelece um novo paradigma, paralelo ao estabelecido por Heath
Ledger, com quem empata, a nosso ver. Ninguém mais, nos próximos séculos,
poderá interpretar o personagem sem ser comparado com ambos, e perder.
O
mais icônico dos vilões da DC, que parecia fadado a fracassos como o de Jared
Leto, ganha um novo intérprete definitivo, a altura do saudoso Heath Ledger.
Que venha o próximo confronto com o Batman. Se a DC não estragar tudo, como
parece ser sua prática recorrente.
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