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sábado, 16 de agosto de 2014

OS MAIAS DE HOLLYWOOD

Chichén Itza - Templo dos Guerreiros
OS MAIAS DE MEL GIBSON SOB A ÓTICA DE PEREGALLI
Peregalli, em sua obra “A America que os europeus encontraram”1, nos fala da existência de três tendências na forma de encarar as civilizações pré-colombianas: a que as despreza, destacando o papel civilizador dos europeus, a que as exalta como sociedades quase perfeitas em que a exploração do homem pelo homem não existia, e a última, na qual o próprio autor se encaixa, que as classifica como de transição, com uma classe-estado que dominava as demais por meio de tributos e onde não existia nenhuma igualdade social.
O filme “Apocalypto”, de Mel Gibson, inteiramente falado em um dialeto Maia, parece enfatizar a primeira e a terceira tendências no que elas poderiam possuir de pior.
Ruínas de Uaxactum
Acima e abaixo: ruínas de Tikal

Peregalli divide a história Maia em três fases, a primeira, por volta de 900 a.C. quando tem início a fixação do homem na terra, a descoberta do milho e a aceleração da cultura olmeca. A segunda, entre 317 e 987 d.C., quando aglutinam-se no centro da Península do Yucatán, mais ao norte, onde construíram cidades como Uaxactum e Tikal. A terceira, e última, entre 987 e 1697 d.C., com um deslocamento para o sul da península. (p.36)
 
Acima e abaixo: ruínas de Tikal

E é próximo do final desta última fase que se desenrola a história do filme, que vem nos mostrar um povo Maia extremamente agressivo, cruel e sanguinário, capaz de capturar centenas de escravos (através de ataques a tribos menores que viviam dentro das florestas) para sacrificar a maioria deles em rituais realizados no alto de suas pirâmides de degraus, ou matá-los como vítimas de jogos.
Nesse ponto, relativo à agressividade para com outros povos, parece haver concordância com o que nos diz Peregalli, segundo o qual “no final dessa última fase, os conglomerados urbanos deixaram de ser pacíficos centros religiosos para se transformar em cidades amuralhadas e belicosas, desconhecidas no período anterior.”(p. 38). Isso seria fruto da divisão do Yucatán em diversos reinos, que passaram a lutar entre si. (p.39)
Mel Gibson não entra em detalhes, mas algumas cenas, como a miséria e a epidemia mostrada nas imediações da cidade Maia, bem como a ressecada plantação de milho vizinha ao fosso cheio de cadáveres, permite visualizar a crise por que passavam os Maias.
Peregalli fornece detalhes que permitem saber as causas que levaram a esta situação, diretamente ligada à decadência daquele povo: “Guerras, pestes, ciclones, etc. podem ser arrolados para justificar o colapso, mas a causa fundamental deve ser procurada na agricultura.” (p. 39).
Acima: Pirâmide de Degraus em Chichén Itza - Abaixo: Detalhe do Templo dos Guerreiros

Acima e abaixo: ruínas dePalenque

Peregalli informa que o solo da Península do Yucatán é fino, rochoso, pobre. Informa ainda que a produção das aldeias deveria atender a si mesmas e á classe dominante através dos tributos.
Citando Léon Pomer, o autor nos diz que diante desses problemas, os Maias precisavam praticar uma rotação de culturas que lhes deixava apenas uma parcela mínima de solo livre para o cultivo. Logo, o aumento populacional na península levou a um colapso no sistema e, segundo o autor, da própria civilização Maia.
O filme de Mel Gibson não aborda essas questões, tampouco preocupa-se em mostrar os imensos avanços científicos alcançados pelos Maias, como o calendário solar de 365 dias e o religioso de 260 dias dividido em 13 meses de 20 dias, ou os livros cheios de iluminuras, como o Dresden Codex.
O Dresden Codex

O Calendário Maia e detalhe do Dresden Codex, que mostraria o fim do mundo pela água.
A engenharia Maia, capaz de construir uma pirâmide que mostra uma serpente móvel descendo à Terra no equinócio da Primavera, através de efeitos da Luz do Sol, serve apenas de cenário.
O conhecimento astronômico desta civilização, que chegou a construir um observatório para estudar o céu, aparece como se fosse usado para enganar o povo, com rituais de sacrifícios realizados justamente no dia de um eclipse.
Ruínas de Chichén Itza: A serpente desce à Terra no efeito da luz do Sol

El Caracol - "Observatório Astronômico" em Chichén Itza.
O próprio povo é mostrado apenas como um grupo de fanáticos alucinados, sedentos por sacrifícios humanos, e seus líderes como loucos deformados.
O que vimos neste filme, que tinha tanto potencial, é aquela que parece ser a visão cristã radical de seu diretor, incapaz de compreender o outro de maneira ampla e contextualizada ao abordar apenas um aspecto da vida de uma avançadíssima civilização. 
Não negamos que a civilização Maia tenha sido violenta, como, ademais, a maioria das civilizações, e que os aspectos de seus rituais, envolvendo sacrifícios humanos são, de fato, repugnantes aos nossos olhos. Mas os Maias, ao longo de sua História milenar, não foram apenas isso.
Mel Gibson perdeu uma grande oportunidade de contar uma boa história e, de quebra, livrar-se da principal marca que cresceu e dominou seus filmes, a da extrema violência.

CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. América pré-colombiana. São Paulo: Brasiliense, 2004.

Imagens

http://jingreed.typepad.com/jingreeds_musings_from_th/2008/11/ancient-apocalypse---the-maya-collapse.html
http://www.airpano.com/360Degree-VirtualTour.php?3D=Tikal-Guatemala
Tulum, Yucatan Peninsula, Mexico; Credit: Cancun CVB
http://www.globalsherpa.org/mayan-civilization-ruins-sites-culture-calendar-2012
http://blogs.datadirect.com/2011/12/the-mayan-calendar-ends-in-2012-and-what-it-means-to-technology.html
http://www.crystalinks.com/mayancalendar.html
http://monumentalloss.com/palenque/

1PEREGALLI, Enrique. A America que os europeus encontraram. 21. ed. São Paulo: Atual, 1998.

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