70 ANOS DE UM CRIME CONTRA A
HUMANIDADE
Nos últimos dias 06 e 09 de agosto,
em 2015, completaram-se 70 anos do bombardeio atômico às cidades
japonesas de Hiroshima e Nagasaki. A nosso ver, a manipulação da
energia nuclear para fins militares e, pior ainda, o seu uso efetivo,
foi um dos piores crimes da História humana.
Os ataques foram as últimas etapas
de uma corrida iniciada anos antes, em 1939, que contrapusera o III
Reich e os Estados Unidos na disputa pelo domínio da energia
nuclear.
Mobilizando uma astronômica
quantidade de recursos humanos e materiais, os americanos ergueram
uma super-secreta base de construção em Los Álamos, no deserto do
Novo México, mais as gigantescas fábricas de processamento de
urânio e plutônio em Oak Ridge, Tennessee e Hanford, Washington,
respectivamente.
O Laboratório de Los Álamos - Novo México |
Sob o comando militar do General
Leslie Richard Groves e do Físico Julius Robert Oppenheimer, os
americanos prepararam duas bombas, a Little Boy, com carga de urânio,
e a Fat Man, carregada com Plutônio e alguns dos parâmetros para a
seleção de alvos potenciais deixa clara a natureza sinistra do
planejamento: área urbana que fosse um importante alvo estratégico,
com tamanho maior que 4,8km de diâmetro.
O Físico Oppenheimer e o General Groves |
Em outras palavras, uma cidade de
médio ou grande porte, bem povoada, que seria transformada em um
laboratório para testar a arma e, depois, fazer a máxima propaganda
de seus efeitos.
Hiroshima, com cerca de 350 mil
habitantes, que era sede de várias unidades militares, que possuia
um centro de comunicações e um movimentado porto, foi atacada em
06/08, às 08:15hs, pela bomba Little Boy, transportada pelo avião
bombardeiro B-29 Enola Gay, do 393º Esquadrão de Bombardeio, sob
comando do Coronel Paul Tibbets.
A bomba Little Boy, a equipe do bombardeiro B-29 Enola Gay e a explosão sobre Hiroshima. |
Nagasaki, que abrigava cerca de 260
mil habitantes no dia do ataque, que também era uma cidade
industrial e portuária, era o alvo secundário do segundo bombadeio
atômico (o principal era Kokura) e foi atacada em 09/08, às
11:00hs, com a bomba Fat Man, lançada pelo avião bombardeiro B-29
Bockscar, do 393º Esquadrão de Bombardeio, sob comando do Major
Charles W. Sweeney.
A bomba Fat Man, a equipe do bombardeiro B-29 Bockscar e a explosão sobre Nagasaki. |
Os efeitos devastadores causaram a
morte instantânea ou consecutiva de 140 mil pessoas em Hiroshima e
de 80 mil pessoas em Nagasaki, aproximadamente.
Continua...
HIROSHIMA/NAGASAKI - 70 ANOS
A obra “O Último Trem de
Hiroshima”, de Charles Pellegrino1,
fazendo uso de documentos e relatos coletados entre os sobreviventes,
reconstitui de forma brilhante e terrível, os bombardeios e seus
momentos posteriores.
É uma leitura assustadora, e
reveladora do quão fundo o ser humano desceu na capacidade de causar
o mal a seus semelhantes.
Pellegrino descreve a vaporização
de pessoas antes mesmo que seus cérebros pudessem emitir a sensação
de dor:
Sob o hipocentro, o sangue no
cérebro da senhora Aoyama já começava a vibrar, na iminência de
virar vapor. O que ela experimentou foi uma das mortes mais rápidas
de toda a história humana. Antes que algum nervo começasse a
perceber a dor, ela e seus nervos deixaram de existir. (pg.29)2
Muitas dessas vítimas desapareceram completamente, deixando como lembrança de sua presença apenas sombras impressas no chão ou em paredes, como negativos de uma fotografia.
Para os que não foram diretamente
expostos, o horror de presenciar outros sendo diretamente atingidos,
como a Srª. Teruko Kono, que não enviara seu filho à escola
naquele dia:
Quando veio o golpe, ela o observava
brincar em uma balsa, da janela do segundo andar de casa, à margem
do rio. A casa ficava dentro da zona de Sadako, a menos de dois
quilômetros do hipocentro. A senhora Kono foi escudada contra o raio
de calor, mas o garoto foi completamente exposto. Ela o viu ser
transformado em um relâmpago branco e pálido e emitir uma coluna de
fumaça negra para o alto... (pg.37)
Qualquer coisa de cores mais
escuras, como cabelos e roupas, pareciam atrair de forma mais forte
os efeitos da explosão. Quem vestia roupas brancas parece ter sido
atingido menos intensamente, se é que isso fez alguma diferença
mais significativa.
Continua...
HIROSHIMA/NAGASAKI - 70 ANOS
Em sua obra, Pellegrino reconstitui relatos de
premonições assustadoras de crianças que imploraram para não
serem enviadas à escola por suas mães, mas que não foram
atendidas. Um dos casos foi o da jovem Etsuko Kuramoto que, diante da
determinação irrevogável de sua mãe, de que iria para escola de
qualquer forma, pediu para usar sua melhor roupa:
Quando Sumi Kuramoto viu a filha
pela última vez, sua sagrada, adorada filha caminhava em direção à
Escola Primária Nacional, rumo ao hipocentro, com sua "melhor
roupa de domingo", e chorava. (pg.38)
Outra premonição, ainda mais
arrepiante, foi a do garoto Hiroshi Mori. Ele disse à Yoshiko, sua
mãe, que Hiroshima seria completamente destruída naquele dia. Mas
ela não foi demovida da ideia de que o filho não poderia perder a
aula e o enviou à escola:
...o garoto disse à mãe que se
cuidasse e pediu que não colocasse comida em sua mochila, porque ele
não precisaria de almoço naquele dia. (pg.38)
Relatos do momento da explosão dão
conta do barulho ensurdecedor para alguns e quase silencioso para
outros. Pessoas sendo erguidas do solo como folhas ao vento e depois
novamente arremessadas ao chão com força esmagadora.
Para o Sr. Kita, que assistiu a
explosão de uma estação meteorológica no monte fora da cidade, o
barulho chegou em dois segundos e a onda de choque, segundo seus
cálculos, viajava a setencentos metros por segundo. Após conseguir
levantar, e usando um binóculo, ele pode ver toda a devastação que
se abatia sobre Hiroshima:
Tudo no sul e no leste parecia
ter-se tornado um deserto de areia amarela. No norte, e rio acima, o
mundo era uma escuridão que mesmo à distância podia ser sentida,
interrompida apenas por raios e turbilhões incandescentes que às
vezes alcançavam a altura de cinco a dez andares. Havia estranhas
correntes de vento ascendentes e descendentes junto à fumaça; e com
os binóculos Kita pôde divisar grandes camadas de granizo negro ou
neve descendo violentamente de cima. (pg.46-7)
Havia muitos sobreviventes,
inclusive pessoas bem abaixo do local do chamado grau zero, onde
ocorrera de fato a explosão. Estavam sob uma cúpula de concreto, ou
ficaram dentro de bolsões de ar sob estruturas desmoronadas e
escaparam no primeiro momento.
O caso do garoto de 13 anos,
Yoshitaka, foi surpreendente. A escola inteira desabou ao seu redor,
mas ele conseguiu sair “rápido o suficiente para testemunhar a
nuvem ainda radiante que crescia no céu, quase diretamente acima de
sua cabeça.”(pg. 58). Ele relatou o calor e as cores do
arco-íris, o que chegou a considerar uma bela visão.
Os filhos da Srª Matsuyanagi, que
escaparam praticamente ilesos da explosão e da onda de calor, não
escaparam dos raios gama. A morte por hemorragia generalizada ocorreu
poucas horas depois. (pg.60)
Continua...
HIROSHIMA/NAGASAKI - 70 ANOS
Além dos efeitos nocivos dos raios
gama, os sobreviventes que podiam andar ainda foram submetidos à
visão que pode ser classificada como o inferno na terra:
...a rua estava cheia de pessoas
transformadas em carvão e pilhas de cera ardente. À primeira vista,
a rua parecia simplesmente vazia, mas, quando ela olhou de novo por
entre a fumaça e as chamas, era fácil ver como as pessoas que
estavam caminhando na direção do banco jaziam caídas umas por cima
das outras. Várias pareciam ter caído aos pedaços, como sacos de
folhas queimadas e esparramadas pelo chão. (pg.62)
Depois dos primeiros efeitos, veio a
chuva. Chuva negra com pingos grandes que machucavam a pele. Os
relatos dão conta que os sobreviventes sentiam uma sede tão
incontrolável que, contra todo bom senso, erguiam a cabeça para o
alto e bebiam a chuva negra que, depois, iria lhes tirar a vida. (pg.
63).
Pellegrino segue trazendo horror
sobre horror à medida que a leitura avança. Os relatos sobre a
explosão em Nagasaki não são menos terríveis.
Não é uma leitura a ser
recomendada como fazemos com um livro de aventuras ou mesmo de
História. Não queremos que nossos amigos sofram. Mas é uma obra
que deve ser lida, para que o repúdio à existência de armas
nucleares cresça, se fortaleça e jamais desapareça.
Aqueles terríveis momentos parecem
bem distantes de nós, no tempo e no espaço, mas há, espalhados
pelo mundo, milhares de silos, plataformas e submarinos carregados
com armas que fariam a Little Boy e a Fat Man parecerem brinquedos de
criança.
Nosso mais forte repúdio, no
aniversário de 70 anos, àquele crime que foi cometido contra a
humanidade, do passado, do presente e do futuro.
Marcello Eduardo.
Ps. Quem quiser ler a obra, pode
fazer o download aqui.
E quem quiser ler relatos de sobreviventes, recomendamos visitar este
site aqui.
As manchas brancas no chão da ponte, à direita, são tudo que restou de um grupo de pessoas que transitavam por ali no momento da explosão. |
1PELLEGRINO,
Charles. O Último Trem de Hiroshima : os sobreviventes olham
para trás. Rio de Janeiro : Leya, 2010.
2Versão
em pdf, disponibilizada pelo site LeLivros
Terrível
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