COMO O CRISTIANISMO TRIUNFOU
EM ROMA - I
Nesta nova minissérie que
iniciamos, vamos recontar, mui resumidamente como sempre, como o cristianismo
deixou de ser a religião dos oprimidos para se tornar a fé dos outrora
opressores no Império Romano.
O período em questão foi,
paradoxalmente, um dos momentos de maior perseguição aos cristãos.
E, também de forma paradoxal,
foi um dos maiores algozes da cristandade quem tomou medidas que acabaram por
possibilitar a ascensão, ao trono, daquele que viria a libertar os cristãos da
perseguição.
Primeiro, nos referimos a
Diocleciano, o grande perseguidor. Depois, a Constantino, o libertador. Convém,
portanto, ir por partes pois, na escrita da História, os primeiros não são
estudados por último! Quem foi Diocleciano?
Quando o Império Romano se
tornou cristão, passando a venerar o Deus Único, essa não era a primeira
experiência monoteísta que vivenciava.
Para Ivar Lissner, em sua
obra “Os Césares”1,
foi uma espécie de monoteísmo o que ocorreu após a vitória do Imperador
Aureliano sobre a Rainha Septímia Zenóbia, de Palmira na atual Síria (cujas
ruínas foram atacadas pelo Estado Islâmico).
Septimia Zenóbia perante Aureliano |
O autor afirma que a devoção
de Aureliano pelo deus Sol Invicto, colocou esta divindade acima de todas as
demais: “Esse culto do Sol, por Aureliano venerado, exaltando um deus único,
demonstra a evolução, bastante surpreendente da inteligência antiga.” (pg.
448).
Após a morte de Aureliano,
porém, assassinado após um ardil tramado por seu secretário, a instabilidade
reinou no império até a ascensão de Diocleciano em 17/11/284 d.C., quando foi
proclamado pelos soldados em
Nicomédia. Ele foi o último imperador resolutamente pagão.
O novo imperador é descrito
por Lissner como um homem mais voltado ao cotidiano e seus conflitos do que aos
grandes feitos. Como consequência, o novo imperador foi um organizador tão
competente que permitiu ao Império Romano ganhar uma sobrevida.
Continua...
1 LISSNER, Ivar. Os Césares – Apogeu e Loucura: Tradução de Oscar Mendes. Belo Horizonte: Itatiaia, 1964.
COMO O CRISTIANISMO
TRIUNFOU EM ROMA - II
O status de Roma como capital
estava, à época, abalado, considerando que vários imperadores pouco permaneciam
na cidade, diante da necessidade de suas presenças em diferentes pontos de
crise do império.
Segundo Lissner2,
Diocleciano, por exemplo, manteve sua corte em Nicomédia e seus antecessores
mais próximos, de reinados muito curtos, nem chegaram a pisar em Roma enquanto
imperadores. Foram nomeados e mortos fora da capital:
Roma, a cidade caprichosa,
mimada, cruel, empanturrada de triunfos, a cidade das arenas, dos teatros e das
termas grandiosas, entrava na sombra. (pg. 453)
Neste período, o título
“César” já não se aplicava ao Imperador propriamente, que utilizava o título de
Dominus (Senhor), acompanhado de Augustus.
Lissner informa que, em 285
d.C., Diocleciano nomeou Maximiniano como César, encarregando-o de governar a
Gália e, no mesmo ano, concedeu-lhe o título de Augustus, fazendo-o
Co-Imperador. (pg. 452)
O Império Romano tornava-se,
novamente, uma diarquia, experiência que não era nova. E a parceria deu
excelentes resultados, como a vitória sobre os “... burgúndios, os alemães,
os francos, os sármatas, os godos e os árabes.”(pg. 453)
Apesar disso, Diocleciano
percebeu que seria preciso descentralizar ainda mais o governo e nomeou dois
Césares, um para cada Augusto. Na prática, cada imperador ganhava um auxiliar
de luxo.
Os nomeados foram Galério,
César de Diocleciano, enviado à Gália, e Constâncio Cloro, César de
Maximiniano, enviado ao Sul do Danúbio.
Diocleciano - Maximiniano - Galério - Constâncio Cloro |
Nesse novo arranjo, cada
Augusto adotou seu César como filho, tornando-os sucessores. Para tal estes
foram obrigados ao divórcio e ao casamento com as filhas dos imperadores.
Também foi fixado um prazo de
vinte anos para que os Augustos pudessem renunciar em favor dos Césares. O
trabalho tornou-se bem mais organizado e rendeu excelentes frutos. O império
respirava novamente.
2 LISSNER, Ivar, Os Césares - Apogeu e Loucura: Trad. de Oscar Mendes. Belo Horizonte: Itatiaia, 1964.
COMO O CRISTIANISMO TRIUNFOU EM ROMA – III
A reorganização de Diocleciano tirou o império da UTI.
Por outro lado, a reorganização do exército, a criação de uma força reserva e as obras públicas das quatro novas capitais, onde residiam os tetrarcas, e na própria Roma, demandavam enormes somas de dinheiro, que devia vir das províncias.
A descentralização do poder levou a uma imensa pressão burocrática e arrecadatória sobre os funcionários públicos e a população de uma forma geral, com exceção dos moradores de Roma, que eram isentos de impostos.
Para piorar, a medida de fixar preços e salários por todo o império, que na prática era um congelamento, só gerou inflação e retração da atividade comercial.
E a História Contemporânea mostra que, em momentos de grave crise econômica, a população, sempre bem orientada pelos aproveitadores, tende a buscar culpados sobre quem descarregar as frustrações.
E quem eram os bodes expiatórios perfeitos para as mazelas de Roma?Os Cristãos, é claro!
Além da decadência econômica, os últimos anos de Diocleciano à frente do império foram de perseguição aos seguidores de Cristo.
Os cristãos estavam, novamente, na mira do
Império Romano.
Diferente dos ciclos persecutórios anteriores
porém, desta vez a infiltração cristã no aparelho estatal romano era muito
maior. Lissner3 afirma que “...o próprio
palácio imperial estava “minado” pelo ideal cristão.”(pg. 461).
O ataque romano, que foi iniciado com demissões
de funcionários cristãos que não abjuraram sua fé, logo descambou para a
demolição de igrejas. E o erguimento de fogueiras para assar pessoas.
Mas, também diferente dos períodos anteriores,
essa perseguição aos cristãos gerou reações. O próprio palácio do Imperador foi
incendiado duas vezes, com a autoria atribuída aos cristãos, embora Lissner
informe que o César Galério teria sido o autor dos incêndios para instigar
ainda mais a caça aos seguidores do cristianismo.(pg.462)
A perseguição se intensificou mas, a despeito
disso, a fé cristã cresceu, assim como as demonstrações de total desprendimento
dos fiéis, que preferiam a morte à renúncia de sua crença.
Segundo Lissner, a própria esposa de
Diocleciano, Prisca, e sua filha Valéria, “...convencidas da pureza e da
veracidade das ideias cristãs, tinham-se secretamente convertido.”(pg. 463)
Prisca - Valéria |
Mas, se por um lado foi liberado o pior
instinto, por outro também surgiu a piedade em muitos romanos. Lissner cita casos
em que os cristãos foram auxiliados ou que as ordens de conversão forçada e
morte eram cumpridas apenas em parte.(pg. 463)
Neste caso, os dois césares estavam em campos
opostos. Galério era um perseguidor implacável, enquanto Constâncio evitava
qualquer execução de cristãos sempre que possível.
Aproximava-se o momento em que o poder seria
dividido entre ambos.
A reorganização de Diocleciano tirou o império da UTI.
Por outro lado, a reorganização do exército, a criação de uma força reserva e as obras públicas das quatro novas capitais, onde residiam os tetrarcas, e na própria Roma, demandavam enormes somas de dinheiro, que devia vir das províncias.
A descentralização do poder levou a uma imensa pressão burocrática e arrecadatória sobre os funcionários públicos e a população de uma forma geral, com exceção dos moradores de Roma, que eram isentos de impostos.
Para piorar, a medida de fixar preços e salários por todo o império, que na prática era um congelamento, só gerou inflação e retração da atividade comercial.
E a História Contemporânea mostra que, em momentos de grave crise econômica, a população, sempre bem orientada pelos aproveitadores, tende a buscar culpados sobre quem descarregar as frustrações.
E quem eram os bodes expiatórios perfeitos para as mazelas de Roma?Os Cristãos, é claro!
Além da decadência econômica, os últimos anos de Diocleciano à frente do império foram de perseguição aos seguidores de Cristo.
Os cristãos estavam, novamente, na mira do Império Romano.
Diferente dos ciclos persecutórios anteriores porém, desta vez a infiltração cristã no aparelho estatal romano era muito maior. Lissner3 afirma que “...o próprio palácio imperial estava “minado” pelo ideal cristão.”(pg. 461).
O ataque romano, que foi iniciado com demissões de funcionários cristãos que não abjuraram sua fé, logo descambou para a demolição de igrejas. E o erguimento de fogueiras para assar pessoas.
Mas, também diferente dos períodos anteriores, essa perseguição aos cristãos gerou reações. O próprio palácio do Imperador foi incendiado duas vezes, com a autoria atribuída aos cristãos, embora Lissner informe que o César Galério teria sido o autor dos incêndios para instigar ainda mais a caça aos seguidores do cristianismo.(pg.462)
A perseguição se intensificou mas, a despeito disso, a fé cristã cresceu, assim como as demonstrações de total desprendimento dos fiéis, que preferiam a morte à renúncia de sua crença.
Segundo Lissner, a própria esposa de Diocleciano, Prisca, e sua filha Valéria, “...convencidas da pureza e da veracidade das ideias cristãs, tinham-se secretamente convertido.”(pg. 463)
Prisca - Valéria |
Mas, se por um lado foi liberado o pior instinto, por outro também surgiu a piedade em muitos romanos. Lissner cita casos em que os cristãos foram auxiliados ou que as ordens de conversão forçada e morte eram cumpridas apenas em parte.(pg. 463)
Neste caso, os dois césares estavam em campos opostos. Galério era um perseguidor implacável, enquanto Constâncio evitava qualquer execução de cristãos sempre que possível.
Aproximava-se o momento em que o poder seria dividido entre ambos.
Em 01/05/305 d.C., Diocleciano e Maximiniano abdicaram ao trono, assumindo em seus lugares os Césares Constâncio Cloro e Galério. O velho Diocleciano se isolou no palácio de Salona, especialmente construído para seu retiro.
Após sua morte, porém, a vingança cristã finalmente o alcançou. Lissner4 afirma que quando Roma se tornou cristã, uma igreja, suprema ironia, foi construída dentro de seu palácio!
A torre da igreja construída ao lado do mausoléu octogonal de Diocleciano |
Ambos mantiveram suas posturas ao chegarem no poder superior, mas Galério, apesar de mais jovem, passou a agir com mais independência que Constâncio e sem oposição conhecida dos dois novos Césares, Severo e Daia, que ajudavam Galério na tarefa de restringir as ações de Constâncio.(pg. 473)
Daia - Severo |
Essa situação só mudou quando Constâncio preparou uma campanha militar na Britânia e solicitou a Galério que enviasse Constantino em seu auxílio.
Lissner afirma que Galério não teve como recusar o envio, para não parecer que mantinha o filho de seu colega refém, contudo, ordenou ao César Severo que o prendesse no caminho.(pg.474)
O jovem, contudo, conseguiu escapar e agora estava livre para ajudar o pai.
Continua...
Os planos de Constâncio eram,
segundo Lissner5,
fazer seu filho Constantino ser querido por suas tropas,
garantindo-lhe apoio militar no futuro. E ele conseguiu.
Quando Constâncio morreu, em 306, o
exército romano na Britânia proclamou Constantino Imperador.
Galério Augustus, porém, fez de Severo seu Co-Imperador, nomeando-o
Augustus. E nomeou Constantino como César, ou seja, colocando-o na
segunda linha.
Constantino aceitou o posto
inferior, mas isso não livrou o império das tempestades que se
anunciavam, pois logo um personagem que parecia esquecido, ergueu-se
novamente em busca do poder.
O ex Augustus, Maximiniano, que
governara junto com Diocleciano, desejava voltar ao poder e, ao mesmo
tempo, garantir o futuro de seu filho Maxêncio (ou Magêncio).
Este conseguiu apoio junto à Guarda
Pretoriana sediada em Roma e foi aclamado imperador e “...pela
derradeira vez, foi Roma cidade imperial.”(pg.476)
Galério Augustus não demorou a
reagir, enviando Severo Augustus para combater Maxêncio. Mas este,
com apoio de seu pai Maximiniano, conseguiu capturar e assassinar
Severo.
Após esta vitória parcial, pai e
filho trataram de garantir o apoio de Constantino, realizando o
casamento deste com Fausta, filha de Maximiniano e irmã de Maxêncio.
Constantino - Maxêncio |
Esquecendo-se do fato que os
pretorianos haviam aclamado seu filho como Imperador, Maximiniano foi
a Roma e “...diante dos
legionários reunidos, arrancou a toga imperial dos ombros de
Maxêncio.” (pg.476)
Evidentemente foi obrigado a fugir,
buscando proteção junto a Constantino. O sistema implantado por
Diocleciano estava desmoronando pelas disputas de poder entre velhos
e novos Augustus e Césares.
Aparentemente só o próprio
Diocleciano poderia por ordem na casa novamente.
Diocleciano, que estava aposentado e aparentemente
gozava do respeito de todos os adversários, foi chamado a intervir.
Segundo Lissner6,
em 308 d.C., a convite de Galério, o ex Imperador deixou seu palácio
às margens do Mar Adriático, onde tornara-se jardineiro, e viajou
até Carnunto, para se encontrar com Maximiniano e o próprio
Galério.
Neste encontro, Galério e
Maximiniano pediram a Diocleciano que voltasse ao poder, o que ele
recusou: “- Se
cultivásseis vosso jardim em Salona, como eu, seríeis mais
felizes!”(pg. 478)
Mas o encontro não deixou de
apontar soluções:
Maximiniano teve de consentir em
retirar-se ainda uma vez da política. Para substituir Severo,
assassinado, os imperadores chamaram Licínio e conferiram-lhe o
título de Augusto. Maxêncio, o usurpador de Roma, foi declarado
inimigo público. (pg. 478)
Licínio - Constantino |
Mas não foi dos dois que veio o
primeiro movimento. O incansável Maximiniano passou a atuar nos
bastidores para desestabilizar Constantino.
Este, porém, não demorou a agir.
Executou Maximiniano, declarou-se herdeiro do ex imperador Claudio II
e adotou o deus Sol Invictus, de Aureliano, como sua divindade
protetora.
Logo, Maxêncio, que não tinha
muitos motivos para amar o pai, usou sua morte como pretexto para
atacar Constantino.
Os tambores da guerra ressoavam
novamente sobre Roma!
Continua...
Segundo Lissner7,
Maxêncio formou um exército composto de “...170.000
infantes e de 18.000 cavaleiros.”(pg.
480) e estabeleceu sua sede em Roma, ordenando a destruição do
acesso à cidade, as pontes sobre o Rio Tibre.
Ele contava com muitas vantagens. Um
exército duas vezes maior que o de Constantino, o apoio da Guarda
Pretoriana, as muralhas da cidade e um bom abastecimento de
alimentos.
Por seu turno, Constantino conseguiu
recrutar um exército composto de “...90.000
infantes e de 8.000 cavaleiros...”(pg.
480), com o qual chegou às portas de Roma.
Ele ainda conquistou apoio ao redor
de Roma, que fora isolada com a derrubada das pontes, e, mais ainda,
contava com a simpatia do próprio povo de Roma, dentro dos muros.
Lissner conta que o confronto
decisivo ocorreu em 28/10/312 d.C. Na Ponte Mílvia, sobre o Rio
Tibre. Maxêncio, que ordenara sua destruição para cortar o acesso
a Roma construíra, ao lado, uma ponte de barcos, para permitir
passagem às suas tropas.
A Historiografia da época revela um
acontecimento milagroso, relacionado a esta batalha. Com algumas
diferenças entre si, os relatos de Lactâncio8
e Eusébio de Cesaréia9
dão conta de que Constantino teve uma visão no céu (e depois um
sonho), onde lhe foi mostrada uma mensagem: in
hoc signo vinces10
(com este símbolo vencerás) e as letras “x” e “p”
conjugadas (que são as primeiras letras da palavra Cristo em grego:
ΧΡΙΣΤΟΣ11).
Constantino ordenou que o símbolo
fosse pintado nos escudos e nos estandartes de seu exército, que,
assim caracterizado, marchou para enfrentar as tropas de Maxêncio.
Este consultara os oráculos
sibilinos que lhe informaram que o inimigo de Roma morreria, de modo
que partiu convicto da vitória. Ele posicionou suas tropas em longa
linha de frente, tendo o Rio Tibre na retaguarda, o que dificultou a
mobilidade.12
Constantino ordenou um ataque de
cavalaria que, apesar do menor número, conseguiu romper a cavalaria
de Maxêncio e fazer carga sobre a infantaria cuja linha também
rompeu.
Na fuga por sobre a ponte de barcos
Maxêncio caiu no rio, morrendo afogado. Quem não conseguiu
atravessar antes do colapso da estrutura foi capturado ou morto pelos
soldados de Constantino.
Se Constantino teve realmente uma
visão espiritual, ou se apenas usou um habilíssimo estratagema para
encorajar seus soldados (provavelmente de maioria cristã), o fato é
que seu exército inferior derrotou as numerosas mas mal comandadas e
pouco motivadas tropas de Maxêncio.
Em 29/10/312 Constantino entrou
triunfalmente em Roma, sendo saudado pela população que também
podia ver a cabeça de Maxêncio exibida como prova de sua morte.
Parece que o inimigo de Roma era ele próprio!
COMO O CRISTIANISMO TRIUNFOU EM ROMA – IX
Segundo Paul Veyne13,
não foi Constantino que encerrou com a perseguição aos cristãos, já encerrada
antes, mas que coube a ele “...fazer com que o cristianismo, transformado em
sua religião, fosse uma religião amplamente favorecida, diferentemente do
paganismo.”(pg.7).
O autor informa que havia um ambiente de
virada da situação dos cristãos pois, no ano seguinte à tomada de Roma por
Constantino, o Augusto do Oriente, Licínio, que era pagão mas não perseguia os
cristãos, venceu seu rival perseguidor, Daia.
Com esta vitória, Roma voltava a ser uma
diarquia, com um Augusto para o Ocidente, Constantino, e outro para o Oriente,
Licínio. Ambos já haviam entrado “...em acordo em Milão para que seus
assuntos pagãos e cristãos fossem tratados em pé de igualdade...” (pg.8)
A união dos dois homens mais poderosos da
terra fora sacramentada através do casamento. Não entre eles, claro, mas entre
Constância, filha de Constantino, e Licínio. No acordo foi disposto que o
cristianismo seria tolerado e que “...os bens espoliados, os lugares de
reunião dos cristãos deviam ser restituídos, as diversas comunidades cristãs
reconhecidas.”(LISSNER, pg.491).
Paul Veyne chama a atenção para a
diferença fundamental existente entre os cultos pagão e cristão que foram
autorizados a conviver no império. Enquanto o fiel pagão tinha uma relação
ocasional e de interesse com seus deuses, a quem recorria para o suprimento de
suas necessidades, os cristãos agiam como submissos a Deus, vivendo em função
de agradá-Lo. (pg.8)
E, se por um lado, Constantino não
pretendesse, segundo Veyne, impor a crença cristã aos pagãos, por outro não
aceitaria mais qualquer perseguição pagã aos cristãos.
Assim, foi por uma legítima proteção da
fé, ou usando-a como pretexto, que Constantino entrou em guerra contra Licínio em
324 d.C. quando este expulsou os cristãos de seu convívio e impediu a passagem
das tropas ocidentais pelas terras do Oriente para combater na Sarmátia14.
Vamos, contudo, por partes.
COMO O CRISTIANISMO
TRIUNFOU EM ROMA – X
O conflito entre os
dois Augustos teve início em 314 d.C. com a Batalha de Cibalis, que
terminou com a vitória de Constantino.
Para Lissner15 o segundo confronto, ocorrido na Trácia (Batalha de Márdia),
terminou indefinido mas serviu para que os Augustos assinassem um
termo de paz que dividiu o Império Romano em dois estados
completamente separados e independentes pois “Nenhum deles tinha
o direito de imiscuir-se no outro.” (pg.494)
As atitudes dos dois
soberanos quando de volta a seus domínios foi totalmente oposta.
Veyne16,
defendendo a tese de que Constantino já era cristão convertido
nesta época, detalha os pontos que, acredita ele, foram a política
do governante já a partir de 312 d.C.(pg.9):
- Todas as suas medidas desde então visaram preparar um futuro cristão para Roma;
- Ele seria cristão mas permaneceu pagão, não perseguindo os cultos e seus seguidores;
- Apoiaria fortemente a Igreja, mas não imporia sua fé;
- Proibiria cultos à sua pessoa e dispensaria da realização de ritos pagãos os funcionários públicos cristãos;
- Não se empenharia na conversão dos pagãos, deixando esta tarefa à Igreja;
- Pensaria em abolir os sacrifícios de animais aos deuses, mas não chegaria a fazê-lo;
- Assumiria a função “... auto-proclamada de uma espécie de presidente da Igreja; atribuirá a si mesmo negócios eclesiásticos e usará de rigor não com os pagãos, mas com os maus cristãos, separatistas ou hereges.”(pg.10)
Se no Ocidente a paz
reinava por meio das ações de um Imperador politicamente hábil e
religioso tolerante, no Oriente Licínio se entregou a uma feroz
perseguição contra os cristãos: “As igrejas foram destruídas,
os dignatários condenados à morte e os fiéis lançados na
prisão.”(LISSNER, pg.494).
Mas, por conta do
acordo firmado em Milão, o Ocidente não podia interferir no que se
passava no Oriente. A situação mudou quando, em 324 d.C., os
bárbaros invadiram o império, atravessando o Rio Danúbio e não
foram contidos por Licínio, a quem cabia a tarefa.
Constantino então
rompeu o acordo e cruzou as fronteiras dos domínios de seu colega do
Oriente para combater os invasores. Este foi o estopim do novo
conflito Ocidente x Oriente.
Para Licínio,
entretanto, conforme destaca Lissner, esse foi o confronto entre duas
fés: “Essa batalha demonstrará qual de nós possui a boa
crença […] Se nossos deuses alcançarem a vitória, levaremos a
guerra contra todos os infiéis (os cristãos).”(LISSNER
pg.495)
A batalha decisiva
estava prestes a começar!
Continua...
16VEYNE, Paul. Quando nosso mundo se tornou
cristão [312-394]. Tradução
de Marcos de Castro. Civilização Brasileira. 2011. Versão eletrônica disp. em:
http://portalconservador.com/livros/Paul-Veyne-Quando-Nosso-Mundo-Se-Tornou-Cristao.pdf
Constantino se apresentou para a
batalha decisiva comandando 200 navios de guerra, mais 2 mil navios
de carga, 120 mil soldados e mais 10 mil homens, entre marinheiros e
cavaleiros. Licínio possuia 350 navios de combate, 150 mil soldados
e 15 mil cavaleiros.17
Este último acampou em
Adrianópolis, na Trácia, para onde Constantino rumou até chegar às
margens do Rio Hebro, à frente da cidade. Sua frota estacionou na
foz do mesmo rio.
As tropas de Licínio estavam melhor
posicionadas, em uma colina com ampla visão da região, o que gerou
impasse pois enquanto estas vacilavam em abandonar a posição
vantajosa, Constantino também evitava cruzar o rio e lutar em
terreno desfavorável.
Edirne (Turquia), antiga Adrianópolis - Local da Batalha (Google Street View) |
Quando a batalha finalmente começou,
Constantino enviava seu estandarte com o símbolo cristão para os
pontos do combate onde suas tropas pareciam em desvantagem,
estimulando os soldados a lutar mais. 19
Quando a noite chegou e os combates
foram interrompidos, Licínio havia perdido mais de 30 mil soldados e
retirou-se derrotado para Bizâncio.20
Constantino cercou Bizâncio
enquanto seu filho, Crispo, travava a Batalha Naval do Helesponto
(Estreito de Dardanelos).21
Crispo destacou 80 navios de sua
frota e invadiu o estreito, onde o Almirante Abanto comandava 200
navios na tentativa de cercar o inimigo. 22
Estreito de Dardanelos (Turquia) - o antigo Helesponto (Google Street View) |
No dia seguinte, com as frotas
reagrupadas para novo confronto, uma tempestade destruiu nada menos
que 130 navios de Abanto. O restante foi afundado ou capturado pela
frota de Crispo, restando somente quatro deles.24
Com esta derrota naval Licínio
ordenou a seu exército que atravessasse o Estreito de Bósforo para
a Ásia, enquanto Constantino, podendo receber reforços, rumou para
o mesmo destino.
O confronto final foi a Batalha de
Crisópolis, na atual cidade de Üsküdar, Turquia.25
Região de Usküdar (Turquia) vista da ponte sobre o Estreito de Bósforo (Google Street View) |
Licínio moveu suas tropas para o
Norte, em direção a Crisópolis, mas Constantino chegou lá
primeiro e decidiu partir logo para o ataque direto.
O aspecto religioso do conflito se
fazia presente ao longo de todo o campo de batalha. As tropas de
Licínio ostentavam os deuses pagãos em seus estandartes, enquanto
as legiões de Constantino se apresentavam sob o signo cristão com
que venceram Maxêncio na Ponte Mílvia.27
É possível imaginar que a mente
supersticiosa do homem antigo tenha desenvolvido sentimentos
extremados opostos em relação ao símbolo cristão das tropas de
Constantino.
Os soldados deste último certamente
se sentiam fortes sob ele, enquanto as tropas de Licínio
dificilmente não o olhariam com temor, considerando a
invencibilidade que Constantino mantinha desde que adotara as
iniciais gregas de Cristo.
Tolamente Licínio incentivou esse
temor em escala monumental ao proibir seus homens de olhar e atacar
os estandartes do inimigo quando qualquer recruta sabe que a
derrubada ou captura de um estandarte inimigo é a maior façanha que
se pode realizar em um campo de batalha, abaixo apenas da vitória e
da captura dos comandantes adversários.
Com toda essa vantagem, Constantino
avançou sem recorrer a qualquer manobra diversionista e logo as
forças de Licínio estavam em debandada, deixando atrás de si cerca
de 30 mil mortos.28
O Mar de Mármara visto de Izmit (Turquia), antiga Nicomédia (Google Street View) |
A intermediação de Constância
conseguiu de Constantino o perdão para seu marido Licínio e a
autorização para viverem exilados em Tessalônica. Mas Lissner29
nos informa que logo ele estava novamente conspirando:
… o autocrata Licínio era
incapaz de viver sem exercer seu poder temível e sem se entregar a
nebulosas intrigas. Abriu conversações com os bárbaros das
províncias danubianas. Essa violação da palavra dada, era
uma traição e provocaram sua detenção. Condenado pelo Senado romano,
Licínio foi executado. (pg. 495)
Com a morte de Licínio, e de seu
filho, Licínio II um ano depois30,
o Império Romano voltava a ter um único soberano.
Sozinho no poder, Constantino
implementou seu desejo de, o mais suavemente possível, tornar Roma
cristã. O imperador nomeou cristãos para alguns dos cargos mais
importantes, inclusive o de Prefeito de Roma, e foi mais além:
As comunidades cristãs receberam
subvenções imperiais para construir e restaurar igrejas. Num
conselho supremo, os altos dignatários cristãos reuniram-se em
torno do imperador. Constantino regulamentou e organizou os negócios
da Igreja. (pg. 496)
Veyne31
também destaca a tolerância religiosa do imperador que:
Não força ninguém a se converter,
nomeia pagãos para as mais altas funções do Estado, não cria
nenhuma lei contra os cultos pagãos [...] e permite que o Senado de
Roma insista em atribuir créditos aos sacerdotes oficiais e aos
cultos públicos do Estado romano, que continuam como antes...(pg.11)
Podemos concluir nossa série
constatando que, a despeito de o batismo de Constantino, e sua
conversão oficial ao cristianismo, só ter ocorrido ao final de sua
vida, não seria justo afirmar que não era cristão.
O batismo do velho Constantino |
Essa maneira pacífica de agir após
a vitória guerreira, conseguida sob um signo cristão, o que sem
dúvida lhe conferiu um status não assumido de escolhido pelo céu,
também lhe permitiu autoridade para moldar a Igreja ao seu gosto e
entendimento, conforme foi possível verificar no Concílio de
Nicéia, no qual a Igreja unificou seus ritos e crenças.
Isso, porém, é uma outra História.
FIM.
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1 LISSNER,
Ivar. Os Césares – Apogeu e Loucura: Tradução de Oscar Mendes.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1964.
2Ibid
3Ibid
4Ibid
5Ibid
6Ibid
7Ibid
8Lucio Célio Firmiano
Lactâncio foi um autor entre os primeiros cristãos que se tornou um conselheiro
do primeiro imperador romano cristão, Constantino I, guiando sua política
religiosa que começava a se desenvolver e sendo o tutor de seu filho.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lact%C3%A2ncio
9Eusébio de Cesareia foi bispo
de Cesareia e é referido como o pai da história da Igreja porque nos seus
escritos estão os primeiros relatos quanto à história do cristianismo
primitivo.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Eus%C3%A9bio_de_Cesareia
10https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_da_Ponte_M%C3%ADlvia
11https://pt.wikipedia.org/wiki/Chi_Rho
12https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_da_Ponte_M%C3%ADlvia
13VEYNE, Paul. Quando nosso mundo se tornou
cristão [312-394]. Tradução
de Marcos de Castro. Civilização Brasileira. 2011. Versão eletrônica disp. em:
http://portalconservador.com/livros/Paul-Veyne-Quando-Nosso-Mundo-Se-Tornou-Cristao.pdf
14https://pt.wikipedia.org/wiki/Constantino
15LISSNER, Ivar. Os Césares – Apogeu e Loucura: Tradução de Oscar Mendes. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1964.
16VEYNE, Paul. Quando nosso mundo se tornou
cristão [312-394]. Tradução
de Marcos de Castro. Civilização Brasileira. 2011. Versão eletrônica disp. em:
http://portalconservador.com/livros/Paul-Veyne-Quando-Nosso-Mundo-Se-Tornou-Cristao.pdf
17https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Adrian%C3%B3polis_%28324%29
18Idem
19Idem
20Idem
21Idem
22Idem
23Idem
24Idem
25https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Cris%C3%B3polis
26Idem
27Idem
28Idem
29LISSNER, Ivar. Os Césares – Apogeu e Loucura: Tradução de Oscar Mendes. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1964.
30https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Cris%C3%B3polis
31VEYNE, Paul. Quando nosso mundo se tornou
cristão [312-394]. Tradução
de Marcos de Castro. Civilização Brasileira. 2011. Versão eletrônica disp. em:
http://portalconservador.com/livros/Paul-Veyne-Quando-Nosso-Mundo-Se-Tornou-Cristao.pdf
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La resa di Zenobia ad
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https://it.wikipedia.org/wiki/Campagne_orientali_di_Aureliano#/media/File:Giovanni_Battista_Tiepolo_-_Il_trionfo_di_Aureliano.jpg
http://www.reclaimingthemind.org/blog/2011/10/top-ten-theologians-4-athanasius/
Istanbul - Museo
archeologico - Testa di statua dell'imperatore romano Diocleziano (284-305
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https://en.wikipedia.org/wiki/Diocletian
Emperor Galerius' portrait head in porphyry, from his palace in
Romuliana (Gamzigrad).
https://en.wikipedia.org/wiki/Galerius
Tête de Maximien Hercule au Musée Saint-Raymond de Toulouse.
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Termas de Carnuto
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https://en.wikipedia.org/wiki/File:MMA_bust_02.jpg
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https://en.wikipedia.org/wiki/File:Ponte_Milvio-side_view-antmoose.jpg
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(1520–24) by Giulio Romano.
https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_the_Milvian_Bridge
http://galatiansfour.blogspot.com.br/2012/07/why-do-they-use-chi-rho.html
http://www.twcenter.net/forums/showthread.php?683605-Proposal-Chi-Rho-Shields-for-Romans
http://www.beyond-the-pale.org.uk/SantAntounin3.htm
Statue of Constantine the Great outside York Minster
http://www.travelsignposts.com/destination/EnglandWales/York/Statue-of-Constantine-the-Great-York_DSC9445
Sculptural portraits of Licinius (left) and his rival Constantine I
(right).
https://en.wikipedia.org/wiki/Licinius
The description from 28th October 312, 'A cross centered on the
Sun" fits with modern day photographs of Sun dogs.
https://en.wikipedia.org/wiki/Constantine_the_Great
Tapestry showing the Sea Battle between the Fleets of Constantine and
Licinius-cropped
https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_the_Hellespont
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