RESENHA
“XINGÚ:
TERRA MÁGICA” – UM MANUAL DE ANTROPOLOGIA
Por
Marcello Eduardo
O
documentário “Xingú: Terra Mágica”, realizado pelo Jornalista
Washington Novaes em 1985 e exibido pela extinta tv Manchete, pode
ser considerado um manual de Antropologia em vídeo por excelência.
Ao assistir as imagens não há como não ver as abordagens da obra
de Aracy Lopes da Silva (1988), Roque de Barros Laraia (2001) em suas
definições de cultura e Alcida Ramos (1995) seguida ou
representada.
Vemos
que a terra é de posse coletiva, é sagrada e está ligada às
origens ancestrais, pois é nela que estão enterrados os
antepassados e onde encontram-se todas as referências que compõe a
identidade cultural do grupo. É à terra que estão ligados os mitos
criadores, as divindades e cada uma de suas dádivas, que não são
propriedades do índio, mas pertencentes a um espírito que pode
estar satisfeito ou ficar bravo, trazendo problemas.
Na
obra de Ramos vamos ver, e com a ilustração do documentário, que
os recursos são explorados, trabalhados e distribuídos de forma
coletiva e que os aspectos culturais e religiosos não são
atividades à parte, mas integram o cotidiano, pois o índio, e na
área cultural do Xingú não será diferente, é um ser social em
todos os momentos. O que vai encontrar paralelo também em Aracy
Lopes da Silva que mostra ainda a divisão sexual do trabalho, que é
através deste que os frutos da terra serão apropriados e a
existência de obrigações recíprocas e a retribuição.
Assim, voltando a Ramos, a dor da esposa será compartilhada pelo marido, um nascimento mobilizará toda aldeia, cada auxílio deverá receber, invariavelmente reciprocidade, e as crianças farão suas brincadeiras como adultos em miniatura, buscando um aprendizado vital.
Aqui
não haverá como não recorrer à confirmação de SILVA de que “A
vida das crianças acontece num cenário de verdade. De verdade, sim,
mas em miniatura (...) Cozinham mesmo, caçam mesmo, coletam
mesmo...” (1988. p.24), de que
é participando das atividades dos adultos, imitando-os, que as
crianças aprendem a viver.
Também
poderemos ver ilustrado o pensamento de Laraia de que será
necessário um conhecimento do sistema cultural mínimo por parte do
indivíduo para que saiba operar dentro deste. (LARAIA, 2006, p.86)
Ainda
em Ramos podemos verificar que é também a reciprocidade que auxilia
o controle social e a manutenção da ordem, pois com a ausência de
um poder de coerção direta na pessoa do líder, será sua
experiência e generosidade que lhe garantirão o status e a
obrigação moral da justa medida e recompensa, garantirá o
equilíbrio necessário à sobrevivência do grupo como um todo.
E,
se antes das leituras, causaria estranheza ver os índios usando
instrumentos tipicos dos brancos, ao ler Silva vamos perceber que não
se pode esperar mesmo que os índios permanecessem com o mesmo
comportamento da época do descobrimento, pois estas culturas “nunca
estiveram paradas no tempo”, (SILVA, XXXX) que são dinâmicas,
se transformam, interagem, permutam experiências nos contatos com
outras culturas.
O
documentário nos leva, ainda, a pensar a cultura indígena da forma
correta, observando, quase vivenciando, vendo as atitudes dos
indígenas do ponto de vista deles, não do nosso. E é exatamente
isso o mais interessante, pois esta observação nos leva a uma
compreensão da nossa própria cultura, pelo que tem de diferente
mas, pasmem, pelas semelhanças, que não são maiores apenas pelo
que parece ser uma questão de referenciais.
É
extraordinário notar que os índios vão possuir problemas conjugais
de ciúmes, preocupações redobradas com suas filhas adolescentes,
rituais de passagem para a idade adulta, questões políticas,
religião baseada numa figura sacerdotal, superstições, explicações
míticas para fenômenos naturais, crença no sobrenatural. Não
haverão muitas sociedades hoje, se é que existe alguma, totalmente
livres destas características.
E
daí a pergunta: não estão certos os antropólogos ao pregar o
respeito à cultura e o livre arbítrio dos povos? O documentário
“Xingú: Terra Mágica”, do Jornalista Washington Novaes já nos
dizia, em 1985, que sim.
REFERENCIAL
BIBLIOGRÁFICO
LARAIA,
Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro, RJ: Jorge Zahar, 2006.
RAMOS,
Alcida Rita. Sociedades indígenas. São Paulo: Ática, 1996.
SILVA,
Aracy Lopes da. Índios. São Paulo: Ática, 1988.
NOVAES,
Washington. Xingú: Terra Mágica. São Paulo: TV Manchete,
1985,
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