As 42 confissões negativas do Livro dos Mortos, apesar
das variações, talvez fruto das traduções, constituem o código de conduta, os
princípios éticos e morais sob os quais se sustentava a sociedade egípcia.
É uma impressionante coleção de comportamentos corretos
que a pessoa deveria observar em vida, considerando futura cobrança pelos
deuses após a morte.
O fato de que o Livro dos Mortos ensina como passar pelos
desafios, oferecendo fórmulas e indicando amuletos, revelando que os egípcios
não eram exatamente fiéis em vida, isso não exclui a conclusão de que aquele
povo tinha princípios éticos e morais que considerava relevantes para atingir o
Paraíso.
É justamente neste ponto que o Livro dos Mortos se
encontra com os Dez Mandamentos de tal forma que alguns estudiosos chegam a
sugerir que Moisés teria se inspirado nele para compor seu código de conduta.
Retiram de Deus a autoria, o que consideramos um erro e aqui está escrevendo um
autor cristão que não vai se separar de sua convicção.
Nós, enquanto cristão, consideramos que, como as Leis de
Deus são perfeitas, e portanto imutáveis, qualquer código de boas práticas
encontrará respaldo nestas Leis e terá muitas semelhanças com outros códigos
semelhantes, guardando apenas pequenas diferenças de núcleo cultural e
temporal.
Dito isto, vejamos as semelhanças entre os dois códigos.
Listaremos as Confissões Negativas do Papiro de Ani a partir da tradução de
nosso controverso Wallis Budge[1],
auxiliados pelo blog Guarda-Livro[2]
quando necessário.
Primeiro vamos separar os Mandamentos que possuem
equivalentes egípcios e, depois, veremos o que sobra, se haveria, de fato,
muita diferença. Acima, sem numeração e em negrito, vai o Mandamento e, abaixo,
numeradas, as confissões, na ordem do Papiro de Ani:
Não
usar o nome de Deus em vão;
27 Eu não blasfemei.
37
Eu não amaldiçoei Deus.
|
Não
roubar;
Não cobiçar o que
é do outro.
02 Eu não cometi roubo com
violência.
03 Eu não roubei.
05 Eu não roubei grãos.
06 Eu não furtei oferendas.
07 Eu não roubei a
propriedade de deus.
16 Eu não roubei terra
cultivada.
39 Eu não tenho roubado o pão
dos deuses.
40 Não desviei bolos khenfu
dos espíritos dos mortos.
41 Eu não arranquei o pão de
crianças nem tratei com desprezo o deus da minha cidade.
42
Eu não matei o gado que pertence ao deus.
|
Não
matarás;
04 Eu não matei homens e
mulheres.
14 Eu não ataquei qualquer
homem.
28
Eu não sou violento.
|
Não
levantar falso testemunho;
08 Eu não proferi mentiras.
15 Eu não sou homem falso.
18 Eu não caluniei.
20
Eu não desmoralizei verbalmente a mulher de homem algum.
|
Não
cometer adultério;
Não desejar a
mulher do próximo.
11
Eu não cometi adultério, não deitei com homens.
|
Nossa comparação pode ser contestada por uma observação
mais rigorosa, no entanto, estamos buscando apenas a essência, o conceito que
aproxima as duas filosofias.
Assim, para nós, a blasfêmia e a maldição proferidas
contra a divindade podem ser encaixadas como transgressão ao “Não usar o nome
de Deus em vão”, assim como a violência pode estar junto ao “Não Matarás”,
considerando que o assassínio dificilmente prescindirá de alguma forma de
violência.
Da mesma forma, embora a mulher do próximo não seja necessariamente
sua esposa, não haverá adultério se não houver, antes, o desejar da esposa
alheia.
Quanto ao “Não Roubarás”, todas as confissões negam algum
tipo de subtração de propriedade de outrem, sejam eles deuses, espíritos ou
homens e não há, a nosso ver, a possibilidade de que alguém vá roubar algo que,
de alguma forma não tenha cobiçado antes.
Na mesma linha, mentir, ser falso, caluniar e
desmoralizar, certamente se encaixam na categoria de falso testemunho.
Vemos, portanto, que sete (70%) dos Dez Mandamentos
possuem alguma relação com as Confissões Negativas do Papiro de Ani. São nada
menos que 20 confissões (quase 50%) relacionadas de alguma forma a um
equivalente hebreu.
Indo além, considerando que a semelhança é irrefutável,
também fica claro que o código de conduta egípcio é bem mais detalhado e
específico, embora a simplicidade Divina dos Dez Mandamentos tenha o dom de
torná-los muito mais abrangentes.
Os Mandamentos restantes (Amar a Deus sobre todas as
coisas / Santificar o dia de descanso / Honrar pai e mãe) também não ficam
descartados quando sabemos do cuidado egípcio com a religiosidade e com seus
antepassados. É provável que isso fosse tão óbvio que nem precisaria ser
incluído nas confissões.
Vejamos, agora, as confissões restantes:
01
Eu não cometi pecado.
09 Eu não joguei comida fora
10 Eu não proferi maldições
12 Eu não fiz ninguém
lamentar
13 Eu não comi o coração.
17 Eu não fui um intrometido.
19 Eu não senti raiva sem
justa causa.
22 Eu não me profanei
23 Eu não aterrorizei ninguém
24 Eu não transgredi a lei
25
Eu não fui irado
26
Não fechei os ouvidos às palavras verdadeiras.
29 Eu não fui um agitador de
conflitos.
30 Eu não agi com pressa
imprópria.
31 Eu não pressionei em
debates.
32 Eu não falei demais
33 Não prejudiquei ninguém,
não fiz nenhum mal
34 Não fiz feitiços nem
blasfêmias contra o Faraó
35 Eu não interrompi o fluxo
de água
36 Eu nunca elevei minha voz.
38
Eu não agi com arrogância.
|
Vemos que as confissões restantes apenas aprofundam e
especificam mais as anteriores, como se fossem, a nosso ver, gradações mais
leves, mas que podem levar aos degraus maiores, que relacionamos aos Dez Mandamentos.
Também vemos que demonstram o comportamento egípcio em
comunidade, nos permitindo perceber que aquela sociedade considerava incorreta
a alteração de comportamento, a perda do equilíbrio interior e abominavam o
desperdício.
Por fim, o status quo também ficava garantido
pois, atentar contra o Faraó, ainda que apenas em palavras, era um pecado!
[1] O PAPIRO DE ANI - O LIVRO EGÍPCIO
DOS MORTOS - Traduzido por E.A. Wallis Budge.
Disp.:http://www.historia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/fontes20historicas/livro_egipcio_dos_mortos.pdf
[2] http://guarda-livro.blogspot.com.br/2014/06/42-confissoes-negativas-para-maat.html
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